sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

CRITÍCAS RADICAIS À COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA - POR BEJA SANTOS *

Desde que a sociedade de consumo triunfou nos anos 50, no mundo ocidental, dois fenómenos relacionados coma função da publicidade emergiram com enorme vigor e permanecem: um, o conflito entre publifilia e publifobia; o outro, a crítica ideológica à comunicação publicitária, acusando-a de força alienante, manipuladora das consciências, discurso cultural do supérfluo, sedução tóxica dos consumidores. Vejamos com algum pormenor a essência dessas críticas.

A publifilia e a publifobia. É verdade que na 1ª Revolução Industrial a publicidade informava os consumidores enquanto na actualidade, graças aos valores simbólicos utilizados, contribui para produzir necessidades na atracção pelas marcas. É uma comunicação que ajuda a moldar estilos de vida, vende imagens de marca, comunicação envolvida em mensagens que se disseminam pelos ambientes, invadindo toda a esfera sociocultural. Os adeptos da publifobia acusam a publicidade de mentir sem parar, de se intrometer na nossa liberdade de decisão, de criar necessidades artificiais, de por os filhos contra os pais, de tornar os produtos mais caros devido ao preço astronómico da maior parte das campanhas, de poluir visualmente o ambiente, de falsear a concorrência, etc. Os adeptos da publifilia atribuem-lhe o mérito de reforçar a soberania do consumidor, de manter as receitas dos media e assim contribuir para a diversidade cultural, de garantir uma plena informação sobre os bens e serviços que é o sinal mais visível da democracia de consumo. Tomadas à letras estas duas posições são profundamente sectárias pela sua incapacidade de analisar a comunicação publicitária enquanto fenómeno que responde ao desenvolvimento do mercado. Uns atribuem-lhe todas as responsabilidades pelos males do mercado e dos dramas da nossa qualidade de vida, outros consideram-na gratificante como a força das vendas que torna as empresas prósperas e os consumidores felizes. Com maior ou menor sinceridade de ambas as partes, aceita-se que a publicidade seja regida por princípios, que a publicidade enganosa deve ser castigada, tal como a exploração da credibilidade, tal como as restrições em nome da saúde púbica ou das venerabilidades das crianças e dos jovens.

Passamos agora para a crítica ideológica. Num best-seller que correu mundo “14.99€, a outra face da moeda” (por Frédéric Beigbeder, Editorial Presença) o mundo da publicidade é desvendado de forma contundente e cáustica. O anti-herói do romance é um conceituado criativo publicitário. Apresenta-se como “poluidor do universo”, “vendedor de trampa” e “manipulador das necessidades insaciáveis”. O ambiente em que trabalha é assim definido: “vivemos no primeiro sistema de dominação do homem pelo homem, contra o qual até a liberdade é impotente”. Para este anti-herói, vivemos num campo de concentração nazi em que as únicas diferenças são as de que os escravos gostam de ser consumidores, os carrascos sabem que tudo é provisório e há uma fé ilimitada no deus-mercado. Logo a primeira peripécia do livro decorre num ambiente de turbulência. Há uma reunião na agência com o director de marketing da secção de produtos frescos da Madone, um dos maiores grupos agro-alimentares do mundo. Trata-se de uma reunião altamente confidencial, o objectivo é lançar rapidamente uma grande campanha para responder a um concorrente de queijo fresco. O vocabulário é digno de uma sala de Estado-Maior, só se fala em “alvos”, “estratégias” e “impactos”. Os criativos são pagos a peso de ouro e o autor explica porquê: os orçamentos anuais em publicidade das empresas são chorudos, a carreira de criativo é efémera, independentemente dele poder aumentar a fama de um papel higiénico ou consolidar o posicionamento de uma margarina. A obra tornou-se polémica no meio publicitário pois apresentava os seus profissionais como toxicodependentes que usam uma linguagem encriptada e são constantemente incitados ao despesismo. A grande mensagem deste livro é que o anti-herói nos deixa perceber como é que a persuasão publicitária continua a ser a forma de comunicação mais eficaz na união do indivíduo com a mercadoria e com o mercado. Ao longo dos últimos 60 anos, diferentes críticos do mundo ocidental têm procurado entender a poderosa adaptação desta comunicação, no fundo a razão do seu sucesso: Vance Packard falou na manipulação das consciências e alertou profeticamente, ainda nos anos 50, que os discurso político e a construção da imagem dos políticos ia ficar na estrita dependência na lógica publicitária; Herbert Marcuse referiu o mercado como a expressão mais alienante do homem contemporâneo e onde a publicidade passou a ter um poder incontestável para configurar o homem unidimensional; Ivan Illich promoveu a publicidade como a principal tara que leva o sistema da sociedade de mercado a pôr os homens ao serviço obrigatório das empresas, tornando-se os artífices resignados do esbanjamento e da obsolescência. As críticas são inúmeras e por vezes apocalípticas. Vale a pena perceber o funcionamento dessas atitudes radicais, na actualidade.

“L’École et la Peste Publicitaire” (por Nico Hirtt e Bernard Legros, Editions Aden, 2007) é um libelo de acusação sobre a presença da publicidade em meio escolar, apresenta o trabalho de grupos contestatários que se opõem à “agressão publicitária” e desvelam a lógica de funcionamento do sistema publicitário nas sociedades capitalistas. É um misto de publifobia e de radicalismo ideológico: a publicidade associada à peste ou encarada como uma infecção do organismo social. Com responsabilidades indirectas no alcoolismo e na obesidade, a lança mais letal na concorrência implacável entre as empresas, transformando os homens e as mulheres em sonâmbulos alucinados. Para os autores, a escola democrática está a ser minada pelo neoliberalismo e pelos interesses das empresas em ter em mão-de-obra qualificada, barata e servil, havendo que preparar as crianças para serem grandes consumidoras. O perigo hoje, alertam os autores é que a publicidade não é um instrumento autónomo, trabalha de braço dado com o marketing e a comunicação. A escola, que fora o último santuário a ser preservado da presença da publicidade, é agora um alvo apetecido: campanhas de simpatia de hipermercados e supermercados; a tentativa de os anunciantes moverem as desconfianças pondo as crianças a gostar e a apreciar as mensagens publicitárias mediante programas como o Media Smart; a colonização do meio escolar através da oferta de kits com amostras de produtos ou referencias a patrocínios de eventos. Como é evidente, a reprovação enunciada pelos autores passa pela análise do discurso publicitário. Primeiro, a publicidade pode contar com uma armada de especialistas em domínios como a linguística, a semiologia, a psicanálise, as ciências da comunicação, entre tantas outras. É um discurso técnico que procura explorar as necessidades excessivas de segurança, sexismo, narcisismo, fetichismo do objecto, entre tantos outros. É, em suma, uma comunicação que predispõe para o frenesim das compras. Os seus efeitos sobre os jovens, de acordo com estes autores, são de pura manipulação já que as crianças têm uma fragilidade intelectual inegável. Os publicitários são acusados de lhes instrumentalizar a emoção, divertindo-os, segmentando-os, pondo-os aos serviços das marcas. Teremos pois um sistema publicitário planeado do princípio ao fim para nos forçar a uma participação total no mercado. Daí ideologia mercantil crer assaltar a escola recorrendo à sociedade do conhecimento e às competências cada vez mais tirânicas exigidas pelo mercado de trabalho, isto a par da amplitude dos mercados ditada pela globalização. A resistência a este processo manipulador é garantida, segundo os autores, por um conjunto de movimentos anti-publicidade e de eventos como o dia sem compras, a semana sem televisão, as práticas de contra-publicidade, sugerindo-se mesmo que certos temas caros à publifilia, como o desenvolvimento sustentável sejam usados para pôr em causa as manobras perversas do marketing escolar.

As críticas radicais à publicidade devem ser ponderadas. Por isso se recomenda a leitura dessa denúncias para avaliar melhor por onde passa a decisão mais livre do consumidor, como deve estar protegido, por onde optar em nome da cidadania.
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* Mário Beja Santos, homem multidisciplinar, notável docente universitário, escritor e exímio especialista na área do consumo em Portugal, com imensos trabalhos publicados.
Ver mais em: http://albertohelder.blogspot.com/2008/10/mrio-beja-santos-apresenta-sua-primeira.html

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