Querida Mãe, que saudades, que saudades…
Nasceste neste dia há muito tempo, mas as saudades continuam
vivas, bem presentes e profundas.
Foste um exemplo, uma guerreira, uma lutadora por ideais que,
em boa hora, transmitiste fielmente às tuas crias, defendendo-as acerrimamente
em todas e quaisquer circunstâncias, na saúde, na educação, na vivência ou
sobrevivência do dia-a-dia, mas também sabia fazer-se sentir quando chegávamos
a casa a choramingar porque outros meninos ou meninas eram mais fortes mais
possantes e no confronto ficávamos a perder. Aí, tínhamos que levar com o seu raspanete,
bem conselheiro, que por vezes era acompanhado com uma palmada (ou mais).
Tínhamos que saber defender-nos, pois o futuro, já ali, só é alcançado com
gente preparada.
Vivíamos no centro de Lisboa, perto da praça do Príncipe
Real, na Cecílio de Sousa, numa casa sem as mínimas condições, sem electricidade, logo sem
frigorífico e outros hoje vulgares electrodomésticos, sem casa de banho, sem
cozinha (ainda se utilizava a máquina a petróleo, que por vezes enguiçava e lá
vinha a tua mais conhecida expressão: “com caraças…”, e dado o diminuto espaço
existente, tive que dormir com o meu irmão até aos vinte anos. A nossa irmã
dormia no mesmo quarto separada por uma cortina de tecido!
Enfim, gerias superiormente todo o agregado familiar, já que
o nosso pai (o sr. Viriato), trabalhador da Carris, nos eléctricos, por ter
horários diferenciados a confecção das refeições era, para ti, um quebra
cabeças diário.
Eras a nossa heroína em toda a linha!
Quando te levantavas de madrugada, estivesse o tempo bom ou
mau, e ias à Praça da Ribeira adquirir frutas e hortaliças e vinhas carregada
até mais não para fazeres a sua venda aos vizinhos, angariando, assim, alguns
tostões suplementares; quando se soube que o Fernando iria fazer parte dum
contigente militar que seguiria para a Índia Portuguesa que depois foi invadida
e dele, durante seis meses, nada sabíamos, se vivo ou morto, o que tu sofreste;
os graves problemas de saúde que te afectaram, principalmente a mastectomia a
que foste sujeita, e que, no dia que nos deixaste, sofreste um violento e mortal
AVC quando estavas a dar o jantar às tuas netas, foram provas do teu
sacrifício, da tua abnegação, do teu querer. Sempre em frente, era o lema que
nos passavas.
Passaste as passas do Algarve, pese embora fosses natural de
São Brás de Alportel, quando viemos ao mundo - Fernando, em 1939 (entretanto falecido), eu, em 1942 e
a Ivone em 1944 - na época da segunda grande guerra. Andavas comigo ao colo, o
Fernando pela mão e a Ivone no teu ventre. Nesse tempo, as senhas de
racionamento necessárias para se obter os víveres acompanharam-nos durante anos
com as respectivas consequência, mas nunca passámos fome ou andávamos maltrapilhos.
Comemos sopa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e, por vezes, das ajudas
dos que moravam perto de nós. Fomos sempre respeitadores e respeitados. Aliás,
os meus dois primeiros empregos resultaram das ajudas recebidas dos senhores João
Mourão e do Comendador Augusto Rodrigues, a quem eu ia entregar as compras que te
faziam.
Para nós estás sempre presente no nosso pensamento, vemos-te
com a garra que te caracterizou, a vontade de servir e vencer, superando qualquer
dificuldade, razão porque quero expressar o muito obrigado por tudo o que nos deste
e ensinaste.
Dona Ester, eras uma Mãe a sério!
Beijão de saudade…
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