quarta-feira, 26 de junho de 2013

ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DE LISBOA – O CENTENÁRIO DA SUA PRIMEIRA REPRESENTAÇÃO NO ESTRANGEIRO!

-ASSOCIAÇÃO FUTEBOL DE LISBOA, FUNDADA EM 23.09.1910-
Graças ao excelente trabalho produzido pelos monstros sagrados do jornalismo português Tavares da Silva, Ricardo Ornelas e Ribeiro dos Reis, neste blogue já bastas vezes mencionados, é possível descrever ao pormenor o que foi a fantástica deslocação ao Brasil da primeira selecção lisboeta, acontecimento que faz agora 100 anos!
-CLUBE INTERNACIONAL DE FUTEBOL, FUNDADO EM 08.12.1902-
O trabalho aqui reproduzido na totalidade (incluindo a acentuação) é copiado, com a devida vénia, da Colecção História dos Desportos em Portugal, da Editorial Inquérito, editada em 1940, volume 1, páginas 381 a 390, com a colaboração de Mário de Oliveira.
-SPORT LISBOA E BENFICA, FUNDADO EM 28.02.1904-
A PRIMEIRA VISITA DUM GRUPO PORTUGUÊS AO BRASIL – A visita dum grupo português ao Brasil, levada a efeito em Julho de 1913, constituiu um empreendimento audacioso.
-SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, FUNDADO EM 01.07.1906-
O convite feito à Associação de Futebol de Lisboa pelo Botafogo F.C. do Rio de Janeiro, fôra já transmitido, em 1912, por intermédio do jornalista desportivo Sr. Duarte Rodrigues, mas só mais tarde pôde ser aceite, no final da época de 1912-13, porque a grandeza da iniciativa exigia estudo demorado e não podia ser resolvida precipitadamente.
-BOTAFOGO FUTEBOL CLUBE, FUNDADO EM 12.08.1904-
O grupo A.F.L. escolhido para o Brasil como representante do futebol português – e dada a superioridade que Lisboa nessa altura mantinha sôbre o Pôrto, essa representação oficiosa era legítima – foi constituído com os seguintes 16 elementos:
Álvaro Gaspar, do SLB-Sport Lisboa e Benfica
(n. 10.05.1889/f. 03.09.1915)

Amadeu Cruz, do SCP-Sporting Clube de Portugal
Sócio eventual da AFL 191 - (n. 05.08.1887/f.)

António Stromp, do SCP
(n. 13.06.1894/f. 06.07.1921)

Artur José Pereira, do SLB
(n. 16.11.1889/f. 06.09.1943)

Augusto Paiva Simões, do SLB
Sócio eventual da AFL 1683 - (n./f.)

Boaventura Mendes Belo, do CIF-Clube Internacional de Futebol
(n. 20.07.1892/f.22.02.1974)

Cândido Rosa Rodrigues, do SCP
(n. 07.12.1901/f.)

Carlos Homem de Figueiredo, do SLB
Sócio eventual da AFL 183 (n./f.)

Carlos Sobral, do CIF
(n./f.)

Cosme Damião, do SLB
(n. 02.11.1885/f. 11.06.1947)

Eduardo Luís Sousa Coutinho Ferreira Pinto Basto, do CIF
(n. 06.07.1886/f. 21.11.1955)

Francisco Stromp (SCP)
(n. 21.05.1892/01.07.1930)

Henrique Costa (SLB)
Sócio eventual da AFL 71 (n. 31.10.1891/f. 03.1953)

João Bentes (SCP)
Sócio eventual da AFL 167 - (n./f.)

José Domingos Fernandes (SLB)
(n./f.)

Luís Vieira (SLB)
(n./f. )
-CONVOCATÓRIA PARA IDA AO BRASIL!-
Para capitão do grupo foi eleito, pelos jogadores, Cosme Damião, que era o capitão do S.L.B., campeão de Lisboa nessa época.
Eduardo Luís Pinto Basto foi nomeado secretário do grupo. A direcção da A.F.L. confiou também a Cosme Damião a representação oficial da Associação no Brasil e entregou-lhe para despesas de representação 150$00 (cento e cinquenta escudos) [hoje, 75 cêntimos de euro…].
A primeira embaixada desportiva que enviámos ao Brasil compreendia, além dos jogadores já citados, o jornalista Duarte Rodrigues, como representante do Botafogo junto da A.F.L.; o dr. Alberto Lima, presidente do Sport Lisboa e Benfica que fazia a viagem à sua custa, e o sr. Mário [Ferreira] Duarte [n. 07.04.1869/f. 09.12.1939], conhecido desportista da velha guarda e dedicado propagandista da causa, que, como já tivemos o ensejo de dizer noutra passagem desta obra, foi nomeado pelo sr. Ministro do Interior para acompanhar a equipa.
Da portaria respectiva consta o seguinte:
“Sendo conveniente desenvolver o estreitamento de relações entre Portugal e Brasil: manda o Govêrno da República Portuguesa que, pelo Ministério do Interior, seja encarregado Mário Duarte, funcionário do Ministério das Finanças de, em comissão extraordinária e gratuita de serviço público, acompanhar ao Rio de Janeiro o grupo desportivo nacional que ali vai tomar parte em certames de exercícios físicos, estudando cumulativamente os progressos de educação física nos Estados Unidos do Brasil, do que apresentará o respectivo relatório”.
PAQUETE DRINA
O grupo representativo da A.F.L. partiu para o Brasil no dia 26 de Junho de 1913 a bordo do Drina, um dos melhores barcos da Mala Real Inglesa.
No dia 24 efectuara-se no Hotel Francfort um jantar de despedia oferecido à equipa e que serviu de pretexto para efusivos discursos.
No dia 25 efectuou-se no campo do Lumiar um jôgo para a apresentação do grupo escolhido. Os seleccionados ganharam por 2-1.
No dia seguinte foi a partida. Os jogadores tiveram uma despedida afectuosíssima.
Fretaram-se vários vapores, escaleres, guigas e botes, e mais de 500 pessoas acompanharam o Drina no momento da partida, trocando-se repetidas saüdações entre os que ficavam e os que partiam.
O relatório da gerência de 1912-13 refere-se nos seguintes têrmos aos objectivos da visita:
“Desnecessário se torna agora encarecer o valor dessa excursão porquanto estão no sentir e no pensar de todos as preciosas vantagens que, do estreitamento das relações luso-brasileiras, advêm para a nossa causa do desporto.
O que achamos de muita utilidade e como dever de gratidão e penhor do nosso reconhecimento, é deixar perpetuado o significativo e altruísta empreendimento do poderoso clube brasileiro Botafogo F.C.
-PROSPECTO DA COMPANHIA MARÍTIMA-
Perante o arrôjo incomensurável do convite dêsse clube, as nossas fôrças redobraram para o satisfazer, pois vimos nesse convite uma honra e uma distinção tais que não podemos eximir-nos a dar todo o nosso apoio, esforço e boa vontade na cooperação de tão elevada iniciativa.
Ao Botafogo cabe neste relatório o primeiro e melhor lugar de destaque e para êle solicitamos de V. Exªs a aprovação de sócio honorário”.
Cosme Damião, como representante oficial da A.F.L., foi portador de uma mensagem endereçada ao Botafogo F.C., documento feito à pena por um calígrafo da Companhia dos Fósforos, onde Daniel Queiroz dos Santos, vogal da Direcção da A.F.L., desempenhava funções de guarda-livros.
Raúl Nunes, então 1º Secretário da Associação tratou da mensagem que foi escrita em papel pergaminho, e ainda hoje – 28 anos depois – aquêle antigo dirigente a considera um belo e artístico documento que enviámos a terras de Santa Cruz, como teve o ensejo de nos dizer muito recentemente.
A referida mensagem merece ser transcrita na íntegra, por se tratar de um documento histórico.
O seu teor era o seguinte:
–DR. ALBERTO LIMA, PRESIDENTE DO SPORT LISBOA E BENFICA-
“A Associação de Futebol de Lisboa por si e interpretando o sentir de todos os jogadores de futebol de Portugal, tem o maior prazer de, por intermédio da equipa sua representante, apresentar ao Botafogo F. Clube em especial e em geral a todos os que directa ou indirectamente, clubes e jogadores, praticam ou fazem propaganda do futebol no Brasil, as suas cordiais felicitações de envolta com um reconhecimento sincero pelo tão amável quão cativante convite do Botafogo.
É para todos os portugueses que amam a sua terra e as suas tradições, as suas glórias passadas, as suas conquistas, os seus descobrimentos, tôda uma época de radiante auréola que enalteceu e glorificou a sua pátria, motivo de alegria, de orgulho, de satisfação, o saber que aqui, a muitos milhares de quilómetros, sentem, pulsam e entusiasmam-se corações irmãos, amigos, companheiros igualmente de tôda essa longínqua plêiade de homens ilustres que honraram as páginas gloriosas da história portuguesa. E porque portugueses são também aquêles que ora nos acolhem, essa satisfação, êsse orgulho, essa alegria redobram e como se no nosso peito albergar-se pudessem todos os corações dos que na nossa pátria ficaram esperançados em que a nossa visita mais e mais una os elos da secular cadeia que irmãmente liga os dois povos, nós sentimo-lo por todos êles vos agradecemos terde-nos proporcionado êste momento de, por viva voz, vos endereçarmos a nossa modesta saüdação.
Pareceu um sonho mas tornou-se realidade a vinda duma equipa de futebol de Portugal ao Brasil.
O que à primeira vista pareceu impossibilidade, consumou-se! É que a fazer face a tôdas dificuldades, a todos os escolhos, a tôdas as dúvidas que naturalmente se suscitaram, existia de pé, firme, latente, incansável o ardente desejo de provar ao Botafogo Futebol Clube a consideração, que todo o português se preza de possuir, pela tão gentil amabilidade do seu convite e ao Brasil inteiro a inalterável amizade, a cordialidade insofismável, a fraternidade jamais desmentida do povo português que além-mar vê com bastante orgulho caminhar êste próspero país numa senda brilhante para um futuro invejável.
Dia a dia assinalando-se nas artes, nas ciências, nas letras, o Brasil quis também marcar uma étape de distinção no desporto e escolheu os seus irmãos portugueses para seus auxiliares nessa cruzada, não a menos brilhante por certo. É honroso e jamais o esqueceremos; e à fé de tôda a nossa amizade vos garantimos, senhores, que saberemos honrar na vossa terra o nome português e na nossa perpetuaremos com o valor das nossas almas, elevado ao mais alto grau pela vossa gentileza, o nome do benquisto povo brasileiro.
Cabe-nos pois, como representantes da Associação de Futebol de Lisboa e em seu nome significar ao Botafogo Futebol Clube a gratidão de que nos achamos possuídos, apresentar os nossos cordiais cumprimentos augurando-lhe infinita prosperidade e entregar-lhe a presente mensagem que encerra em linhas escritas o que de viva voz tive a honra de vos dizer.
Viva o Brasil.
Viva o Botafogo Futebol Clube!”
-MÁRIO FERREIRA DUARTE-
Sobre os resultados da excursão, respigamos do Relatório elaborado por Mário Duarte as seguintes passagens que nos parecem mais interessantes:
–NO RIO DE JANEIRO-
Não constituiu uma série de triunfos a estada do team português no Brasil, devido a ter de lutar contra grupos fortes, perdendo os dois primeiros desafios, para o que concorreu a fadiga da viagem e deficiência de treino em conjunto, que o não tinham os jogadores portugueses; conseguiu empatar o terceiro e ganhar, finalmente, o quarto, em tomava parte o clube que gentilmente os convidara e no qual se disputavam, como prémios, duas valiosas taças de prata.
A êste último desafio dignaram-se assistir o Exmº Sr. Presidente da República (Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca), e muitos membros do Corpo Diplomático, ali acreditado, não faltaram àquelas animadas festas, tendo sido o grupo português, no último dia, alvo de uma grande manifestação de estima por parte dos patrícios ali residentes, e bem assim de muitos brasileiros.
–EDUARDO PINTO BASTO E COSME DAMIÃO-
Mário Duarte refere-se, depois, aos resultados dos três jogos efectuados em São Paulo trocando, porém, os nomes dos adversários do grupo português.
Sobre o último jôgo, que terminou pela vitória dos portugueses, por 1-0, sôbre o Paulistano e não sôbre a A. Atlética das Palmeiras, escreve Mário Duarte:
 –VISITA AO CLUBE GYMNÁSTICO PORTUGUEZ, NO RIO DE JANEIRO-
Entre outros, vêem-se: P. Basto, Dr. A. Lima, A. Stromp. J. Bentes, M. Duarte, C. Rodrigues e D. Rodrigues. 
Neste desafio disputaram-se dois prémios bizarramente oferecidos por patrícios nossos, que naquele país têm feito largo comércio dos seus acreditados produtos. Foram êles os srs. Brandão Gomes & Cª, os audazes proprietários das grandes fábricas de conservas de Espinho, Matosinhos, Aveiro e Setúbal, e Ramos Pinto & Irmão, conceituados comerciantes dos afamados vinhos do Pôrto. A monumental ovação, que no final deste desafio foi feita aos jogadores portugueses e da qual compartilhei também, jamais se apagará da memória de quem a ela tenha assistido.
Num percurso de mais de um quilómetro, duas filas de portugueses, alinhados ao longo das ruas, aclamaram com louco entusiasmo os jogadores nacionais e a Pátria portuguesa, repetindo-se, à noite, na elegante e monumental estação do caminho de ferro de S. Paulo outra entusiástica e inolvidável saudação de despedida.
-DR. ALBERTO LIMA (ESQª) E COSME DAMIÃO DRTª)-
O grupo representativo da A.F.L. disputou sete encontros no Brasil, sendo quatro no Rio de Janeiro e três em S. Paulo.
Resultados obtidos no Rio de Janeiro:
Em 13-7-1913 contra o Scratch, inglês (Rio Cricket e Paysandu) perdeu por 1-3.
Em 14-7-1913 contra o Scratch brasileiro perdeu por 0-1.
Em 17-7-1913 contra a Liga Metropolitana empatou por 0-0.
Em 20-7-1913 contra o Botafogo F.C. ganhou por 1-0.
Resultados obtidos em S. Paulo:
Em 23-7-1913 contra a A. Atlética das Palmeiras empatou por 2-2.
Em 25-7-1913 contra o Colégio Mackenzie perdeu por 1-5.
Em 27-7-1913 contra o Clube Atlético Paulistano ganhou por 1-0.
O balanço geral da tournée deu duas vitórias, 2 empates e 3 derrotas, com 11 goals sofridos e 6 marcados.
Os marcadores dos goals lisboetas foram: Artur José Pereira (3), Carlos Sobral (2) e António Stromp.
Lista dos jogadores utilizados nos diferentes encontros:
Benfica: Henrique Costa (7 jogos); Carlos Homem de Figueiredo, 7; Cosme Damião, 6; Artur José Pereira, 6;
José Domingos Fernandes, 6; Álvaro Gaspar, 6; Luís Vieira, 6; Augusto Paiva Simões, 4.
Internacional: Carlos Sobral, 5; Eduardo Luís Pinto Basto, 3; Boaventura Belo, 3.
Sporting: António Stromp, 7; João Bentes, 7, Amadeu Cruz, 3; Francisco Stromp, 1.
Cândido Rosa Rodrigues não actuou, dado se ter lesionado numa brincadeira a bordo, durante a viagem.
-1º JOGO, EM 13.07.1913-
Sentados: A. Stromp, A. Gaspar, C. Sobral, L. Vieira e J. Bentes.
De pé: A. Cruz, H. Figueiredo, C. Damião, P. Basto, H. Costa, A. Pereira e D. Fernandes.
PRIMEIRAS NOTAS:
1-Os cinco valiosos troféus que o grupo trouxe do Brasil pelas vitórias alcançadas ficaram retidos na Alfândega, pois estavam sujeitos ao pagamento de direitos considerados inconcebíveis numa representação de carácter desportivo e de propaganda de Portugal. Graças a Francisco Luís da Silva Calejo e ao despacho do então Primeiro-Ministro, Afonso Costa, foram libertados só em 1915!
2-Luís Vieira, do Benfica, não regressou a Portugal, pois ficou a jogar no Botafogo.
3-Júlio de Araújo, dirigente da Associação de Futebol de Lisboa, considerou acertada a escolha do mandatário da A.F.L., porquanto de outro modo maiores teriam sido os incidentes com o jornalista Duarte Rodrigues, que se arvorou em empresário e que só na situação oficial de Cosme Damião encontrou entraves para os seus excessos.
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-EQUIPA DA LIGA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO QUE ACTUOU EM 17.07.1913-
A revista “Futebol”, editada pela Associação de Futebol de Lisboa, no seu primeiro número (Janeiro de 1965), entrevista Cândido Rosa Rodrigues, um dos jogadores que fez parte do grupo que esteve no Brasil.
Vamos então reproduzir a totalidade do que o jornalista A. Palha da Silva escreveu, sob o título:
UMA ARBITRAGEM BI-PARCIAL, AS LUVAS DO FÉLIX E AS “TÁCTICAS” DE 1910
Curiosas evocações de Cândido Rosa Rodrigues:
Saudade como lembrança suave, repousante, de viva simpatia e não no sentido de tristeza magoada é, realmente, a saudade de que falamos, melhor, a quem damos a palavra.
Com a regularidade do próprio Boletim e referida a pessoas ou factos ligados à Associação, «tem a palavra a saudade». Vamos hoje escutar o que nos diz um dos pioneiros do futebol «alfacinha», Cândido Rosa Rodrigues, componente da primeira equipa que representou desportivamente a A.F.Lisboa, há mais de 50 anos. Uma lembrança suave, sem dúvida, a que outras se seguirão de mês a mês.
–4º JOGO, EM 20.07.1913-
Possuidor de uma amabilidade extrema e de um espírito vivíssimo, Cândido Rosa Rodrigues, um «jovem» de 80 anos, foi por nós escolhido para ser o primeiro entrevistado desta rubrica destinada não só a dar a conhecer aos mais novos o que foi a infância do nosso futebol e todas as vicissitudes porque passaram os seus pioneiros, como também a fornecer possíveis subsídios para a sua história.
Sabedores de que Cândido Rosa Rodrigues possuía uma excelente colecção de recordações daqueles tempos e que era, além do mais um dos poucos jogadores dessa época que felizmente se encontra no rol dos vivos, decidimos ouvi-lo, para que nos contasse algo que se relacione com a primeira Associação de Futebol do País.
–EQUIPA DA ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA DAS PALMEIRAS-
Para quem gosta do Desporto e de futebol em particular, falar com Cândido Rosa Rodrigues é um verdadeiro prazer. A sua memória prodigiosa e a graça com que salpica os episódios que nos conta, fazem-nos esquecer quase que por completo o rodar célere do tempo.
Iniciando esta nossa conversa, começámos por perguntar a Cândido Rosa Rodrigues se estava recordado de como fora organizada a A.F.L. e quais os motivos que presidiram à sua fundação.
A resposta veio pronta num alarde de excelente memória:
- Se bem me recordo a A.F.L. começou a funcionar na segunda metade de 1910, tendo o seu aparecimento resultado da Liga de Futebol «Association» que era quem até àquela data, embora sem carácter oficial, organizava os campeonatos. O primeiro por volta de 1906 foi ganho pelo C.I.F. (Clube Internacional de Futebol) e nessa altura um jogador podia representar hoje um clube e no domingo seguinte e para o mesmo torneio, representar outro. Isto não estava certo e por esta e outras razões foi resolvido oficializar o organismo, tendo sido o grande impulsionador da ideia Raul Nunes. Assim surgiu em 1910 a A.F.Lisboa.
- O sr. Rosa Rodrigues recebeu há pouco tempo uma medalha da A.F.L. A que foi devida tal distinção?
- A medalha que em 1963 eu e mais quatro colegas recebemos teve o intuito comemorativo dos 50 anos da primeira deslocação ao estrangeiro de uma selecção da A.F.L.
E prosseguiu:
- Foi uma viagem inolvidável aquela que fizemos a terras de Santa Cruz. Disputámos sete desafios, tendo obtido 2 vitórias, 2 empates e 3 derrotas, as primeiras precisamente nos encontros em que estavam em jogo troféus especiais.
Aproveitámos uma breve pausa do nosso entrevistado, indagámos:
- Está recordado do nome do dirigente ou dirigentes que vos acompanharam?
- Perfeitamente. Quem chefiou a comitiva «alfacinha» foi Duarte Rodrigues, que por sinal não era dirigentes da A.F.L. mas a eles estava ligado por traços de boa amizade. A parte representativa e financeira foi-lhe entregue, enquanto ao «capitão» da equipa cabiam as responsabilidades da parte desportiva.
–EQUIPA DO CLUB ATHLÉTICO PAULISTANO-27.07.1913-
Relacionada com esta deslocação uma série de dúvidas ocorreu no nosso espírito. Como seriam formadas as selecções? Haveria seleccionador? Farias treinos de conjunto? Tudo isto julgamos ter interesse e por isso aproveitámos a ocasião para equacionar tais demandas ao nosso simpático interlocutor, para meditação da gente de hoje.
- Não! Nesse tempo não havia nada disso! A A.F.L. dirigia convites pessoais aos jogadores mais em evidência e estes consoante os seus afazeres o permitiam aceitavam ou não. Tenho, por acaso, nas minhas recordações a carta da A.F.L. em que era convidado a ir ao Brasil. Quer ver?
Dissemos que sim e pouco depois, sorridente, Cândido Rosa Rodrigues aparecia com tão precioso documento. Nele se indicavam os jogadores convidados e se pedia para o destinatário dizer se aceitava ou não a escolha feita.
- Como vê era tudo muito simples. Era só dizer «sim» e o assunto estava arrumado. Seleccionador e treinos de conjunto eram «luxos» que nessa época eram completamente ignorados.
–SELECCIONADO LISBOETA NO ÚLTIMO JOGO, EM 27.07.1913-
1ª fila: H. Figueiredo, C. Damião e B. Belo.
Sentados: A. Stromp, C. Sobral, D. Fernandes, A. Gaspar e J. Bentes.
De pé: H. Costa, P. Basto e A. Pereira.
- Mas então, embora muito sumariamente, não era estabelecido qualquer plano para os jogos?
Visivelmente encantado pela ingenuidade da pergunta, o nosso «jovem» respondeu:
- Não meu amigo. Nessa época cada jogador tinha uma zona do campo onde actuava e dali quase não saía.
Tácticas não havia e somente um homem, que me lembre, se arriscou a falar em tal.
E num tom de verdadeira saudade continuou:
- Esse homem foi Félix Bermudes, uma pessoa inteligentíssima e que já nessa época, portanto com dezenas de anos de avanço, procurava estabelecer planos tácticos para cada jogo. Como deve calcular não o levávamos a sério e por nós foi alcunhado do «tácticas». Se fosse hoje…
Sem que o deixássemos interromper, prosseguiu:
- Já que falei de Félix Bermudes deixe-me contar-lhe um facto que prova o seu bom senso e o tom precavido de todos os seus actos. Ora escute: muitos dos nossos jogos eram realizados nuns terrenos frente ao campo das Salésias, chamados «Terras do Desembargador». Para aí iam também os soldados de determinado regimento de cavalaria fazer os seus exercícios. Pois bem. Félix jogava sempre de calças compridas e luvas, como precaução contra o tétano. Era o único em tais preparos. Como vê em tudo o que ele era precavido e meticuloso. Não admira, portanto, que pensasse também impor certa disciplina ao jogo.
-EM SÃO PAULO–
1ª fila: C. Sobral, H. Figueiredo, D. Fernandes, A. Pereira e A. Stromp.
2ª fila: F. Stromp, H. Costa, M. Duarte, P. Simões.
3ª fila: D. Rodrigues, A. Gaspar, A, Cruz, P. Basto, J. Bentes, B. Belo e C. Damião.
De pé: N.N., L. Vieira, P. Araújo, Dr. A. Lima e C. Rodrigues.
Pelo semblante do nosso entrevistado verificámos que ele não estava ainda saturado de «cavaquear». Assim, aproveitámos a ocasião para mais uma pergunta:
- Já que acaba de falar em disciplina, pensa que a criação da A.F.L. veio disciplinar o meio futebolístico de então?
- Sem dúvida que sim, meu amigo.
Os campeonatos passaram a ter uma sequência normal, as «transferências» a meio dos torneios acabaram, enfim, tudo se passou a processar com maior organização dentro daquilo que era possível e que os recursos da época permitiam.
–TROFÉU FREDERICO AUGUSTO SILVA “Offerecido ao team vencedor da prova internacional realizada em 20/7/1913”-
Não queríamos terminar esta agradável conversa com Cândido Rosa Rodrigues sem que nos contasse uma das muitas histórias pitorescas que sempre existem na carreira de um desportista.
Aquiescendo ao pedido, o célebre «Candinho», nome por que era conhecido o nosso anfitrião, começou a narrativa da sua odisseia, com o ar feliz de quem recorda tempos inolvidáveis.
-"AO TEAM VENCEDOR DA PROVA INTERNACIONAL ENTRE A ASSOCIAÇÃO DE FOOT-BALLRO DE LISBOA E O BOTAFOGO FOOT-BALL CLUBE DO RIO DE JANEIRO, 20.07.1913"-
- Um belo dia, encontrava-me num campo que existia perto do Jardim Zoológico, assistindo a um encontro entre o S.L.Benfica e o C.I.F., quando por falta do Árbitro designado, os dois «capitães», Eduardo Pinto Basto e Cosme Damião me vieram convidar para arbitrar o jogo.
A princípio não quis, mas como o «vício» era grande, não foram precisos grandes argumentos para me convencerem.
E em tom alegre, prosseguiu:
- Fui-me equipar e dei início ao jogo. Foi um jogo como tantos outros.
Assobios daqui, insultos dali (neste aspecto os tempos não mudaram) e o encontro terminou empatado a duas bolas.
-PRÉMIO BRANDÃO GOMES, 27.07.1913-
Quando me dirigia para a cabina um espectador mais exaltado agrediu-me.
Tudo isto me enervou bastante e o facto é que no meio da confusão não me lembrei de tirar os apontamentos necessários para fazer o relatório.
Após uma breve pausa para descansar e relembrar melhor continuou:
- À noite, já mais calmo, dirigi-me à sede do C.I.F. para colher os elementos necessários.
Aí fui acusado de parcialidade e de ter beneficiado o Benfica.
Na sede dos «encarnados» onde fui coligir os restantes elementos aconteceu o mesmo, mas agora ao invés. Havia sido parcial e tinha beneficiado o C.I.F.
Fiquei radiante! E sabe porquê?
Porque verifiquei que a minha arbitragem havia sido pelo menos imparcial.
Nesse dia fui-me deitar com a consciência tranquila.
-TROFÉU ADRIANO RAMOS PINTO, GANHO NO JOGO DE 27.07.1913-
Tínhamos chegado ao fim desta nossa entrevista com Cândido Rosa Rodrigues, um verdadeiro «rapaz», tanto no espírito agudo e vivo, como no seu belo aspecto físico.
Que meditem em muito do que disso muitos dos que acham pouco o muito que a Associação de Futebol de Lisboa e os seus clubes filiados oferecem, em condições e apoio, aos que desejem praticar futebol, já com tácticas e sem necessidade de luvas e calças compridas. É neste e noutros aspectos que, dando a palavra à saudade, muito temos que escutar…
-TROFÉU OFERECIDO PELO CENTRO REPUBLICANO PORTUGUEZ - “ANIMUS ET VIS” - À missão sportiva portugueza. São Paulo, 27/7/1913-
Em Junho de 1963 a Associação de Futebol de Lisboa, no cinquentenário da efeméride, homenageou os 5 jogadores sobreviventes do grupo que viajou até ao Brasil (Luís Vieira, Engº Boaventura Bello, José Domingos Fernandes, Cândido Rosa Rodrigues e Carlos Homem de Figueiredo), promovendo um almoço convívio com os jogadores, e procedendo ao reconhecimento público no intervalo do jogo final duma das competições de jovens lisboetas, no Estádio do Restelo, perante milhares de adeptos, que aplaudiram os pioneiros que foram distinguidos com medalhas comemorativas da efeméride.
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-REGRESSO-
 
O regresso a Portugal aconteceu com a saída do Rio de Janeiro, a 30 de julho, no paquete “Orita”, da Companhia Pacífico. Quando aportou à Província Ultramarina de Cabo Verde, ilha de São Vicente, no dia 8 de agosto, para se abastecer e porque tal manobra demoraria algumas horas, foi acordado um jogo com a equipa da Estação Telegráfica, no campo da Salina, encontro esse cujo resultado foi favorável aos lisboetas por 1-0. A chegada a Lisboa verificou-se na noite de 13 de agosto de 1913, tendo a Associação de Futebol de Lisboa fretado um vapor para ir ao encontro do paquete a saudar e receber os seus valorosos jogadores, que tão bem a representaram.
 
 
ÚLTIMA NOTA – No dia 26.06.2012, curiosamente no dia em que fez 99 anos que o grupo rumou ao Brasil, achei interessante que se comemorasse o centenário desta epopeia e entreguei na Associação de Futebol de Lisboa ao Dr. Nuno Lobo o processo completo relacionado com este grandioso acontecimento, o primeiro além fronteiras do futebol português, e, na expectativa de vir a ser celebrado, dei pistas nesse sentido, como o de convidar uma equipa do Botafogo para participar no Torneio Internacional de Lisboa (Junho); ou um colóquio com os responsáveis dos clubes que se fizeram representar nesta deslocação (Benfica, Sporting e CIF), e o representante do clube brasileiro, enfim, algo que assinalasse este grande evento que marcou uma época. No dia 7 de Maio de 2013, quase onze meses depois, foi-me transmitido que não era possível realizar qualquer solenidade.

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