-ASSOCIAÇÃO FUTEBOL DE LISBOA,
FUNDADA EM 23.09.1910-
Graças ao excelente trabalho produzido
pelos monstros sagrados do jornalismo português Tavares da Silva, Ricardo
Ornelas e Ribeiro dos Reis, neste blogue já bastas vezes mencionados, é
possível descrever ao pormenor o que foi a fantástica deslocação ao Brasil da
primeira selecção lisboeta, acontecimento que faz agora 100 anos!
-CLUBE INTERNACIONAL DE FUTEBOL,
FUNDADO EM 08.12.1902-
O trabalho aqui reproduzido na totalidade
(incluindo a acentuação) é copiado, com a devida vénia, da Colecção História
dos Desportos em Portugal, da Editorial Inquérito, editada em 1940, volume 1,
páginas 381 a 390, com a colaboração de Mário de Oliveira.
-SPORT LISBOA E BENFICA, FUNDADO
EM 28.02.1904-
A PRIMEIRA VISITA DUM
GRUPO PORTUGUÊS AO BRASIL – A visita dum grupo português ao Brasil, levada a
efeito em Julho de 1913, constituiu um empreendimento audacioso.
-SPORTING CLUBE DE PORTUGAL,
FUNDADO EM 01.07.1906-
O convite feito à
Associação de Futebol de Lisboa pelo Botafogo F.C. do Rio de Janeiro, fôra já transmitido,
em 1912, por intermédio do jornalista desportivo Sr. Duarte Rodrigues, mas só
mais tarde pôde ser aceite, no final da época de 1912-13, porque a grandeza da
iniciativa exigia estudo demorado e não podia ser resolvida precipitadamente.
-BOTAFOGO FUTEBOL CLUBE, FUNDADO
EM 12.08.1904-
O grupo A.F.L.
escolhido para o Brasil como representante do futebol português – e dada a
superioridade que Lisboa nessa altura mantinha sôbre o Pôrto, essa representação
oficiosa era legítima – foi constituído com os seguintes 16 elementos:
Álvaro Gaspar, do SLB-Sport Lisboa e
Benfica
(n. 10.05.1889/f. 03.09.1915)
Amadeu Cruz, do SCP-Sporting Clube
de Portugal
Sócio eventual da AFL 191 - (n.
05.08.1887/f.)
António Stromp, do SCP
(n. 13.06.1894/f. 06.07.1921)
Artur José Pereira, do SLB
(n. 16.11.1889/f. 06.09.1943)
Augusto Paiva Simões, do SLB
Sócio eventual da AFL 1683 - (n./f.)
Boaventura Mendes Belo, do CIF-Clube
Internacional de Futebol
(n. 20.07.1892/f.22.02.1974)
Cândido Rosa Rodrigues, do SCP
(n. 07.12.1901/f.)
Carlos Homem de Figueiredo, do SLB
Sócio eventual da AFL 183 (n./f.)
Carlos Sobral, do CIF
(n./f.)
Cosme Damião, do SLB
(n. 02.11.1885/f. 11.06.1947)
Eduardo Luís Sousa Coutinho Ferreira
Pinto Basto, do CIF
(n. 06.07.1886/f. 21.11.1955)
Francisco Stromp (SCP)
(n. 21.05.1892/01.07.1930)
Henrique Costa (SLB)
Sócio eventual da AFL 71 (n.
31.10.1891/f. 03.1953)
João Bentes (SCP)
Sócio eventual da AFL 167 - (n./f.)
José Domingos Fernandes (SLB)
(n./f.)
Luís Vieira (SLB)
(n./f. )
-CONVOCATÓRIA PARA IDA AO BRASIL!-
Para capitão do grupo
foi eleito, pelos jogadores, Cosme Damião, que era o capitão do S.L.B., campeão
de Lisboa nessa época.
Eduardo Luís Pinto Basto
foi nomeado secretário do grupo. A direcção da A.F.L. confiou também a Cosme
Damião a representação oficial da Associação no Brasil e entregou-lhe para
despesas de representação 150$00 (cento e cinquenta escudos) [hoje, 75 cêntimos
de euro…].
A primeira embaixada
desportiva que enviámos ao Brasil compreendia, além dos jogadores já citados, o
jornalista Duarte Rodrigues, como representante do Botafogo junto da A.F.L.; o
dr. Alberto Lima, presidente do Sport Lisboa e Benfica que fazia a viagem à sua
custa, e o sr. Mário [Ferreira] Duarte [n. 07.04.1869/f. 09.12.1939], conhecido
desportista da velha guarda e dedicado propagandista da causa, que, como já
tivemos o ensejo de dizer noutra passagem desta obra, foi nomeado pelo sr.
Ministro do Interior para acompanhar a equipa.
Da portaria
respectiva consta o seguinte:
“Sendo conveniente
desenvolver o estreitamento de relações entre Portugal e Brasil: manda o
Govêrno da República Portuguesa que, pelo Ministério do Interior, seja
encarregado Mário Duarte, funcionário do Ministério das Finanças de, em
comissão extraordinária e gratuita de serviço público, acompanhar ao Rio de
Janeiro o grupo desportivo nacional que ali vai tomar parte em certames de
exercícios físicos, estudando cumulativamente os progressos de educação física
nos Estados Unidos do Brasil, do que apresentará o respectivo relatório”.
PAQUETE DRINA
O grupo
representativo da A.F.L. partiu para o Brasil no dia 26 de Junho de 1913 a
bordo do Drina, um dos melhores barcos da Mala Real Inglesa.
No dia 24
efectuara-se no Hotel Francfort um jantar de despedia oferecido à equipa e que
serviu de pretexto para efusivos discursos.
No dia 25 efectuou-se
no campo do Lumiar um jôgo para a apresentação do grupo escolhido. Os
seleccionados ganharam por 2-1.
No dia seguinte foi a
partida. Os jogadores tiveram uma despedida afectuosíssima.
Fretaram-se vários
vapores, escaleres, guigas e botes, e mais de 500 pessoas acompanharam o Drina
no momento da partida, trocando-se repetidas saüdações entre os que ficavam e
os que partiam.
O relatório da
gerência de 1912-13 refere-se nos seguintes têrmos aos objectivos da visita:
“Desnecessário se
torna agora encarecer o valor dessa excursão porquanto estão no sentir e no
pensar de todos as preciosas vantagens que, do estreitamento das relações
luso-brasileiras, advêm para a nossa causa do desporto.
O que achamos de
muita utilidade e como dever de gratidão e penhor do nosso reconhecimento, é
deixar perpetuado o significativo e altruísta empreendimento do poderoso clube
brasileiro Botafogo F.C.
-PROSPECTO DA COMPANHIA MARÍTIMA-
Perante o arrôjo
incomensurável do convite dêsse clube, as nossas fôrças redobraram para o
satisfazer, pois vimos nesse convite uma honra e uma distinção tais que não
podemos eximir-nos a dar todo o nosso apoio, esforço e boa vontade na
cooperação de tão elevada iniciativa.
Ao Botafogo cabe
neste relatório o primeiro e melhor lugar de destaque e para êle solicitamos de
V. Exªs a aprovação de sócio honorário”.
Cosme Damião, como
representante oficial da A.F.L., foi portador de uma mensagem endereçada ao
Botafogo F.C., documento feito à pena por um calígrafo da Companhia dos
Fósforos, onde Daniel Queiroz dos Santos, vogal da Direcção da A.F.L.,
desempenhava funções de guarda-livros.
Raúl Nunes, então 1º
Secretário da Associação tratou da mensagem que foi escrita em papel
pergaminho, e ainda hoje – 28 anos depois – aquêle antigo dirigente a considera
um belo e artístico documento que enviámos a terras de Santa Cruz, como teve o
ensejo de nos dizer muito recentemente.
A referida mensagem
merece ser transcrita na íntegra, por se tratar de um documento histórico.
O seu teor era o
seguinte:
–DR. ALBERTO LIMA, PRESIDENTE DO
SPORT LISBOA E BENFICA-
“A Associação de
Futebol de Lisboa por si e interpretando o sentir de todos os jogadores de
futebol de Portugal, tem o maior prazer de, por intermédio da equipa sua
representante, apresentar ao Botafogo F. Clube em especial e em geral a todos
os que directa ou indirectamente, clubes e jogadores, praticam ou fazem
propaganda do futebol no Brasil, as suas cordiais felicitações de envolta com
um reconhecimento sincero pelo tão amável quão cativante convite do Botafogo.
É para todos os
portugueses que amam a sua terra e as suas tradições, as suas glórias passadas,
as suas conquistas, os seus descobrimentos, tôda uma época de radiante auréola
que enalteceu e glorificou a sua pátria, motivo de alegria, de orgulho, de
satisfação, o saber que aqui, a muitos milhares de quilómetros, sentem, pulsam
e entusiasmam-se corações irmãos, amigos, companheiros igualmente de tôda essa
longínqua plêiade de homens ilustres que honraram as páginas gloriosas da
história portuguesa. E porque portugueses são também aquêles que ora nos
acolhem, essa satisfação, êsse orgulho, essa alegria redobram e como se no
nosso peito albergar-se pudessem todos os corações dos que na nossa pátria
ficaram esperançados em que a nossa visita mais e mais una os elos da secular
cadeia que irmãmente liga os dois povos, nós sentimo-lo por todos êles vos
agradecemos terde-nos proporcionado êste momento de, por viva voz, vos
endereçarmos a nossa modesta saüdação.
Pareceu um sonho
mas tornou-se realidade a vinda duma equipa de futebol de Portugal ao Brasil.
O que à primeira
vista pareceu impossibilidade, consumou-se! É que a fazer face a tôdas
dificuldades, a todos os escolhos, a tôdas as dúvidas que naturalmente se
suscitaram, existia de pé, firme, latente, incansável o ardente desejo de
provar ao Botafogo Futebol Clube a consideração, que todo o português se preza
de possuir, pela tão gentil amabilidade do seu convite e ao Brasil inteiro a
inalterável amizade, a cordialidade insofismável, a fraternidade jamais
desmentida do povo português que além-mar vê com bastante orgulho caminhar êste
próspero país numa senda brilhante para um futuro invejável.
Dia a dia
assinalando-se nas artes, nas ciências, nas letras, o Brasil quis também marcar
uma étape de distinção no desporto e escolheu os seus irmãos portugueses para
seus auxiliares nessa cruzada, não a menos brilhante por certo. É honroso e
jamais o esqueceremos; e à fé de tôda a nossa amizade vos garantimos, senhores,
que saberemos honrar na vossa terra o nome português e na nossa perpetuaremos
com o valor das nossas almas, elevado ao mais alto grau pela vossa gentileza, o
nome do benquisto povo brasileiro.
Cabe-nos pois,
como representantes da Associação de Futebol de Lisboa e em seu nome significar
ao Botafogo Futebol Clube a gratidão de que nos achamos possuídos, apresentar
os nossos cordiais cumprimentos augurando-lhe infinita prosperidade e
entregar-lhe a presente mensagem que encerra em linhas escritas o que de viva
voz tive a honra de vos dizer.
Viva o Brasil.
Viva o Botafogo
Futebol Clube!”
-MÁRIO FERREIRA DUARTE-
Sobre os resultados
da excursão, respigamos do Relatório elaborado por Mário Duarte as seguintes
passagens que nos parecem mais interessantes:
–NO RIO DE JANEIRO-
Não constituiu uma
série de triunfos a estada do team português no Brasil, devido a ter de lutar
contra grupos fortes, perdendo os dois primeiros desafios, para o que concorreu
a fadiga da viagem e deficiência de treino em conjunto, que o não tinham os
jogadores portugueses; conseguiu empatar o terceiro e ganhar, finalmente, o
quarto, em tomava parte o clube que gentilmente os convidara e no qual se
disputavam, como prémios, duas valiosas taças de prata.
A êste último
desafio dignaram-se assistir o Exmº Sr. Presidente da República (Marechal
Hermes Rodrigues da Fonseca), e muitos membros do Corpo Diplomático, ali
acreditado, não faltaram àquelas animadas festas, tendo sido o grupo português,
no último dia, alvo de uma grande manifestação de estima por parte dos
patrícios ali residentes, e bem assim de muitos brasileiros.
–EDUARDO PINTO BASTO E COSME
DAMIÃO-
Mário Duarte
refere-se, depois, aos resultados dos três jogos efectuados em São Paulo
trocando, porém, os nomes dos adversários do grupo português.
Sobre o último jôgo,
que terminou pela vitória dos portugueses, por 1-0, sôbre o Paulistano e não
sôbre a A. Atlética das Palmeiras, escreve Mário Duarte:
–VISITA AO CLUBE GYMNÁSTICO
PORTUGUEZ, NO RIO DE JANEIRO-
Entre outros, vêem-se: P. Basto, Dr.
A. Lima, A. Stromp. J. Bentes, M. Duarte, C. Rodrigues e D. Rodrigues.
Neste desafio
disputaram-se dois prémios bizarramente oferecidos por patrícios nossos, que
naquele país têm feito largo comércio dos seus acreditados produtos. Foram êles
os srs. Brandão Gomes & Cª, os audazes proprietários das grandes fábricas
de conservas de Espinho, Matosinhos, Aveiro e Setúbal, e Ramos Pinto &
Irmão, conceituados comerciantes dos afamados vinhos do Pôrto. A monumental
ovação, que no final deste desafio foi feita aos jogadores portugueses e da
qual compartilhei também, jamais se apagará da memória de quem a ela tenha
assistido.
Num percurso de
mais de um quilómetro, duas filas de portugueses, alinhados ao longo das ruas,
aclamaram com louco entusiasmo os jogadores nacionais e a Pátria portuguesa,
repetindo-se, à noite, na elegante e monumental estação do caminho de ferro de
S. Paulo outra entusiástica e inolvidável saudação de despedida.
-DR.
ALBERTO LIMA (ESQª) E COSME DAMIÃO DRTª)-
O grupo
representativo da A.F.L. disputou sete encontros no Brasil, sendo quatro no Rio
de Janeiro e três em S. Paulo.
Resultados
obtidos no Rio de Janeiro:
Em
13-7-1913 contra o Scratch, inglês (Rio Cricket e Paysandu) perdeu por 1-3.
Em
14-7-1913 contra o Scratch brasileiro perdeu por 0-1.
Em
17-7-1913 contra a Liga Metropolitana empatou por 0-0.
Em
20-7-1913 contra o Botafogo F.C. ganhou por 1-0.
Resultados
obtidos em S. Paulo:
Em
23-7-1913 contra a A. Atlética das Palmeiras empatou por 2-2.
Em
25-7-1913 contra o Colégio Mackenzie perdeu por 1-5.
Em
27-7-1913 contra o Clube Atlético Paulistano ganhou por 1-0.
O balanço
geral da tournée deu duas vitórias, 2 empates e 3 derrotas, com 11 goals
sofridos e 6 marcados.
Os
marcadores dos goals lisboetas foram: Artur José Pereira (3), Carlos Sobral (2)
e António Stromp.
Lista dos
jogadores utilizados nos diferentes encontros:
Benfica: Henrique
Costa (7 jogos); Carlos Homem de Figueiredo, 7; Cosme Damião, 6; Artur José
Pereira, 6;
José
Domingos Fernandes, 6; Álvaro Gaspar, 6; Luís Vieira, 6; Augusto Paiva Simões,
4.
Internacional:
Carlos Sobral, 5; Eduardo Luís Pinto Basto, 3; Boaventura Belo, 3.
Sporting:
António Stromp, 7; João Bentes, 7, Amadeu Cruz, 3; Francisco Stromp, 1.
Cândido
Rosa Rodrigues não actuou, dado se ter lesionado numa brincadeira a bordo,
durante a viagem.
-1º
JOGO, EM 13.07.1913-
Sentados: A. Stromp, A. Gaspar, C.
Sobral, L. Vieira e J. Bentes.
De pé: A. Cruz, H. Figueiredo, C.
Damião, P. Basto, H. Costa, A. Pereira e D. Fernandes.
PRIMEIRAS NOTAS:
1-Os cinco
valiosos troféus que o grupo trouxe do Brasil pelas vitórias alcançadas ficaram
retidos na Alfândega, pois estavam sujeitos ao pagamento de direitos
considerados inconcebíveis numa representação de carácter desportivo e de
propaganda de Portugal. Graças a Francisco Luís da Silva Calejo e ao despacho
do então Primeiro-Ministro, Afonso Costa, foram libertados só em 1915!
2-Luís
Vieira, do Benfica, não regressou a Portugal, pois ficou a jogar no Botafogo.
3-Júlio de
Araújo, dirigente da Associação de Futebol de Lisboa, considerou acertada a
escolha do mandatário da A.F.L., porquanto de outro modo maiores teriam sido os
incidentes com o jornalista Duarte Rodrigues, que se arvorou em empresário e
que só na situação oficial de Cosme Damião encontrou entraves para os seus
excessos.
--------------------------------------------------------------------------------------------
-EQUIPA
DA LIGA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO QUE ACTUOU EM 17.07.1913-
A revista
“Futebol”, editada pela Associação de Futebol de Lisboa, no seu primeiro número
(Janeiro de 1965), entrevista Cândido Rosa Rodrigues, um dos jogadores que fez
parte do grupo que esteve no Brasil.
Vamos
então reproduzir a totalidade do que o jornalista A. Palha da Silva escreveu,
sob o título:
UMA
ARBITRAGEM BI-PARCIAL, AS LUVAS DO FÉLIX E AS “TÁCTICAS” DE 1910
Curiosas
evocações de Cândido Rosa Rodrigues:
Saudade como
lembrança suave, repousante, de viva simpatia e não no sentido de tristeza
magoada é, realmente, a saudade de que falamos, melhor, a quem damos a palavra.
Com a regularidade
do próprio Boletim e referida a pessoas ou factos ligados à Associação, «tem a
palavra a saudade». Vamos hoje escutar o que nos diz um dos pioneiros do
futebol «alfacinha», Cândido Rosa Rodrigues, componente da primeira equipa que
representou desportivamente a A.F.Lisboa, há mais de 50 anos. Uma lembrança
suave, sem dúvida, a que outras se seguirão de mês a mês.
–4º JOGO, EM 20.07.1913-
Possuidor de uma
amabilidade extrema e de um espírito vivíssimo, Cândido Rosa Rodrigues, um
«jovem» de 80 anos, foi por nós escolhido para ser o primeiro entrevistado
desta rubrica destinada não só a dar a conhecer aos mais novos o que foi a
infância do nosso futebol e todas as vicissitudes porque passaram os seus
pioneiros, como também a fornecer possíveis subsídios para a sua história.
Sabedores de que
Cândido Rosa Rodrigues possuía uma excelente colecção de recordações daqueles
tempos e que era, além do mais um dos poucos jogadores dessa época que
felizmente se encontra no rol dos vivos, decidimos ouvi-lo, para que nos
contasse algo que se relacione com a primeira Associação de Futebol do País.
–EQUIPA DA ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA DAS PALMEIRAS-
Para quem gosta do
Desporto e de futebol em particular, falar com Cândido Rosa Rodrigues é um
verdadeiro prazer. A sua memória prodigiosa e a graça com que salpica os
episódios que nos conta, fazem-nos esquecer quase que por completo o rodar
célere do tempo.
Iniciando esta nossa
conversa, começámos por perguntar a Cândido Rosa Rodrigues se estava recordado
de como fora organizada a A.F.L. e quais os motivos que presidiram à sua
fundação.
A resposta veio
pronta num alarde de excelente memória:
- Se bem me recordo a
A.F.L. começou a funcionar na segunda metade de 1910, tendo o seu aparecimento
resultado da Liga de Futebol «Association» que era quem até àquela data, embora
sem carácter oficial, organizava os campeonatos. O primeiro por volta de 1906 foi
ganho pelo C.I.F. (Clube Internacional de Futebol) e nessa altura um jogador
podia representar hoje um clube e no domingo seguinte e para o mesmo torneio,
representar outro. Isto não estava certo e por esta e outras razões foi
resolvido oficializar o organismo, tendo sido o grande impulsionador da ideia
Raul Nunes. Assim surgiu em 1910 a A.F.Lisboa.
- O sr. Rosa Rodrigues
recebeu há pouco tempo uma medalha da A.F.L. A que foi devida tal distinção?
- A medalha que em
1963 eu e mais quatro colegas recebemos teve o intuito comemorativo dos 50 anos
da primeira deslocação ao estrangeiro de uma selecção da A.F.L.
E prosseguiu:
- Foi uma viagem
inolvidável aquela que fizemos a terras de Santa Cruz. Disputámos sete
desafios, tendo obtido 2 vitórias, 2 empates e 3 derrotas, as primeiras
precisamente nos encontros em que estavam em jogo troféus especiais.
Aproveitámos uma
breve pausa do nosso entrevistado, indagámos:
- Está recordado do
nome do dirigente ou dirigentes que vos acompanharam?
- Perfeitamente. Quem
chefiou a comitiva «alfacinha» foi Duarte Rodrigues, que por sinal não era
dirigentes da A.F.L. mas a eles estava ligado por traços de boa amizade. A
parte representativa e financeira foi-lhe entregue, enquanto ao «capitão» da
equipa cabiam as responsabilidades da parte desportiva.
–EQUIPA DO CLUB ATHLÉTICO
PAULISTANO-27.07.1913-
Relacionada com esta
deslocação uma série de dúvidas ocorreu no nosso espírito. Como seriam formadas
as selecções? Haveria seleccionador? Farias treinos de conjunto? Tudo isto
julgamos ter interesse e por isso aproveitámos a ocasião para equacionar tais
demandas ao nosso simpático interlocutor, para meditação da gente de hoje.
- Não! Nesse tempo
não havia nada disso! A A.F.L. dirigia convites pessoais aos jogadores mais em
evidência e estes consoante os seus afazeres o permitiam aceitavam ou não.
Tenho, por acaso, nas minhas recordações a carta da A.F.L. em que era convidado
a ir ao Brasil. Quer ver?
Dissemos que sim e
pouco depois, sorridente, Cândido Rosa Rodrigues aparecia com tão precioso
documento. Nele se indicavam os jogadores convidados e se pedia para o
destinatário dizer se aceitava ou não a escolha feita.
- Como vê era tudo
muito simples. Era só dizer «sim» e o assunto estava arrumado. Seleccionador e
treinos de conjunto eram «luxos» que nessa época eram completamente ignorados.
–SELECCIONADO LISBOETA NO ÚLTIMO
JOGO, EM 27.07.1913-
1ª fila: H. Figueiredo, C. Damião e
B. Belo.
Sentados: A. Stromp, C. Sobral, D.
Fernandes, A. Gaspar e J. Bentes.
De pé: H. Costa, P. Basto e A.
Pereira.
- Mas então, embora
muito sumariamente, não era estabelecido qualquer plano para os jogos?
Visivelmente
encantado pela ingenuidade da pergunta, o nosso «jovem» respondeu:
- Não meu amigo.
Nessa época cada jogador tinha uma zona do campo onde actuava e dali quase não
saía.
Tácticas não havia e
somente um homem, que me lembre, se arriscou a falar em tal.
E num tom de
verdadeira saudade continuou:
- Esse homem foi
Félix Bermudes, uma pessoa inteligentíssima e que já nessa época, portanto com
dezenas de anos de avanço, procurava estabelecer planos tácticos para cada
jogo. Como deve calcular não o levávamos a sério e por nós foi alcunhado do
«tácticas». Se fosse hoje…
Sem que o deixássemos
interromper, prosseguiu:
- Já que falei de
Félix Bermudes deixe-me contar-lhe um facto que prova o seu bom senso e o tom
precavido de todos os seus actos. Ora escute: muitos dos nossos jogos eram
realizados nuns terrenos frente ao campo das Salésias, chamados «Terras do
Desembargador». Para aí iam também os soldados de determinado regimento de
cavalaria fazer os seus exercícios. Pois bem. Félix jogava sempre de calças
compridas e luvas, como precaução contra o tétano. Era o único em tais
preparos. Como vê em tudo o que ele era precavido e meticuloso. Não admira,
portanto, que pensasse também impor certa disciplina ao jogo.
-EM SÃO PAULO–
1ª fila: C. Sobral, H. Figueiredo,
D. Fernandes, A. Pereira e A. Stromp.
2ª fila: F. Stromp, H. Costa, M.
Duarte, P. Simões.
3ª fila: D. Rodrigues, A. Gaspar, A,
Cruz, P. Basto, J. Bentes, B. Belo e C. Damião.
De pé: N.N., L. Vieira, P. Araújo,
Dr. A. Lima e C. Rodrigues.
Pelo semblante do
nosso entrevistado verificámos que ele não estava ainda saturado de
«cavaquear». Assim, aproveitámos a ocasião para mais uma pergunta:
- Já que acaba de
falar em disciplina, pensa que a criação da A.F.L. veio disciplinar o meio
futebolístico de então?
- Sem dúvida que sim,
meu amigo.
Os campeonatos
passaram a ter uma sequência normal, as «transferências» a meio dos torneios
acabaram, enfim, tudo se passou a processar com maior organização dentro
daquilo que era possível e que os recursos da época permitiam.
–TROFÉU FREDERICO AUGUSTO SILVA “Offerecido
ao team vencedor da prova internacional realizada em 20/7/1913”-
Não queríamos
terminar esta agradável conversa com Cândido Rosa Rodrigues sem que nos
contasse uma das muitas histórias pitorescas que sempre existem na carreira de
um desportista.
Aquiescendo ao
pedido, o célebre «Candinho», nome por que era conhecido o nosso anfitrião,
começou a narrativa da sua odisseia, com o ar feliz de quem recorda tempos
inolvidáveis.
-"AO TEAM VENCEDOR DA PROVA INTERNACIONAL ENTRE A ASSOCIAÇÃO DE FOOT-BALLRO DE LISBOA E O BOTAFOGO FOOT-BALL CLUBE DO RIO DE JANEIRO, 20.07.1913"-
-"AO TEAM VENCEDOR DA PROVA INTERNACIONAL ENTRE A ASSOCIAÇÃO DE FOOT-BALLRO DE LISBOA E O BOTAFOGO FOOT-BALL CLUBE DO RIO DE JANEIRO, 20.07.1913"-
- Um belo dia,
encontrava-me num campo que existia perto do Jardim Zoológico, assistindo a um
encontro entre o S.L.Benfica e o C.I.F., quando por falta do Árbitro designado,
os dois «capitães», Eduardo Pinto Basto e Cosme Damião me vieram convidar para
arbitrar o jogo.
A princípio não quis,
mas como o «vício» era grande, não foram precisos grandes argumentos para me
convencerem.
E em tom alegre,
prosseguiu:
- Fui-me equipar e
dei início ao jogo. Foi um jogo como tantos outros.
Assobios daqui,
insultos dali (neste aspecto os tempos não mudaram) e o encontro terminou
empatado a duas bolas.
-PRÉMIO BRANDÃO GOMES, 27.07.1913-
Quando me dirigia para a cabina um espectador mais exaltado agrediu-me.
-PRÉMIO BRANDÃO GOMES, 27.07.1913-
Quando me dirigia para a cabina um espectador mais exaltado agrediu-me.
Tudo isto me enervou
bastante e o facto é que no meio da confusão não me lembrei de tirar os
apontamentos necessários para fazer o relatório.
Após uma breve pausa
para descansar e relembrar melhor continuou:
- À noite, já mais
calmo, dirigi-me à sede do C.I.F. para colher os elementos necessários.
Aí fui acusado de
parcialidade e de ter beneficiado o Benfica.
Na sede dos «encarnados»
onde fui coligir os restantes elementos aconteceu o mesmo, mas agora ao invés.
Havia sido parcial e tinha beneficiado o C.I.F.
Fiquei radiante! E
sabe porquê?
Porque verifiquei que
a minha arbitragem havia sido pelo menos imparcial.
Nesse dia fui-me
deitar com a consciência tranquila.
-TROFÉU ADRIANO RAMOS PINTO, GANHO NO JOGO DE
27.07.1913-
Tínhamos chegado ao
fim desta nossa entrevista com Cândido Rosa Rodrigues, um verdadeiro «rapaz»,
tanto no espírito agudo e vivo, como no seu belo aspecto físico.
Que
meditem em muito do que disso muitos dos que acham pouco o muito que a
Associação de Futebol de Lisboa e os seus clubes filiados oferecem, em
condições e apoio, aos que desejem praticar futebol, já com tácticas e sem
necessidade de luvas e calças compridas. É neste e noutros aspectos que, dando
a palavra à saudade, muito temos que escutar…
-TROFÉU
OFERECIDO PELO CENTRO REPUBLICANO PORTUGUEZ - “ANIMUS ET VIS” - À missão
sportiva portugueza. São Paulo, 27/7/1913-
Em Junho de 1963 a
Associação de Futebol de Lisboa, no cinquentenário da efeméride, homenageou os
5 jogadores sobreviventes do grupo que viajou até ao Brasil (Luís Vieira, Engº
Boaventura Bello, José Domingos Fernandes, Cândido Rosa Rodrigues e Carlos
Homem de Figueiredo), promovendo um almoço convívio com os jogadores, e
procedendo ao reconhecimento público no intervalo do jogo final duma das
competições de jovens lisboetas, no Estádio do Restelo, perante milhares de
adeptos, que aplaudiram os pioneiros que foram distinguidos com medalhas
comemorativas da efeméride.
------------------------------
-REGRESSO-
O regresso a Portugal aconteceu com a saída do Rio de
Janeiro, a 30 de julho, no paquete “Orita”, da Companhia Pacífico. Quando aportou
à Província Ultramarina de Cabo Verde, ilha de São Vicente, no dia 8 de agosto,
para se abastecer e porque tal manobra demoraria algumas horas, foi acordado um
jogo com a equipa da Estação Telegráfica, no campo da Salina, encontro esse cujo
resultado foi favorável aos lisboetas por 1-0. A chegada a Lisboa verificou-se
na noite de 13 de agosto de 1913, tendo a Associação de Futebol de Lisboa
fretado um vapor para ir ao encontro do paquete a saudar e receber os seus valorosos
jogadores, que tão bem a representaram.
ÚLTIMA NOTA – No dia
26.06.2012, curiosamente no dia em que fez 99 anos que o grupo rumou ao Brasil,
achei interessante que se comemorasse o centenário desta epopeia e entreguei na
Associação de Futebol de Lisboa ao Dr. Nuno Lobo o processo completo
relacionado com este grandioso acontecimento, o primeiro além fronteiras do
futebol português, e, na expectativa de vir a ser celebrado, dei pistas nesse
sentido, como o de convidar uma equipa do Botafogo para participar no Torneio
Internacional de Lisboa (Junho); ou um colóquio com os responsáveis dos clubes
que se fizeram representar nesta deslocação (Benfica, Sporting e CIF), e o
representante do clube brasileiro, enfim, algo que assinalasse este grande
evento que marcou uma época. No dia 7 de Maio de 2013, quase onze meses depois,
foi-me transmitido que não era possível realizar qualquer solenidade.
1 comentário:
tenho varios recortes de jornais brasileiros
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