Numa época em que nas grandes
metrópoles a nervosidade comanda os nossos sentidos, as nossas ideias e
projectos, por tudo o que nesta altura nos rodeia, com uma frenética agitação
que não se sente noutras paragens de cada ano, considero ter, desde há muito,
uma ligação muito ténue ao 25 de Dezembro. Porquê?
Tudo tem explicação: direi que a partir do
primeiro Natal passado longe dos meus, em São Tomé e Príncipe, quando tinha 24
anos de idade e cumpria serviço militar por imposição (obrigatório), o meu ver,
o meu sentir, mudou-se por completo.
Pois estar a milhares de quilómetros, em ambiente amistoso, mas adverso em termos de suportar um calor excessivo, com elevada humidade, as dificuldades naturais de quem não está no seu verdadeiro ambiente, as gritantes carências de alojamento, sem colchões (os que haviam eram de palha de coco, duríssimos e mal cheirosos), sem lençóis na cama, com as serapilheiras a substituí-los, com parasitas e insectos a afectarem-nos a todo o instante, também o paludismo e outras chagas a molestarem-nos, uma alimentação (?) imprópria, que nos era servida em pratos e copos de alumínio, amolgados e cheios de sarro preto e bedum, enfim, um cenário dantesco e tenebroso, só superado com a solidariedade dos amigos que estavam no terreno e os que estavam distantes que, a par dos nossos familiares, também amenizavam os desgostos, as saudades, os imensos problemas porque passávamos.
Às vezes até sentíamos raiva… A primeira vez que entrei no refeitório do quartel-general sai a vomitar, tal era o cheiro pestilento, ver aqueles miseráveis utensílios e os montões de baratas que por lá se encontravam. A papa de não sei quê era a nossa comida, ora arroz com massa, massa com batatas, batatas com arroz, enfim, tudo igual à que alimentava os porcos na pocilga, já que os naturais tinham “direito” a banana ou maçaroca de milho assadas, uma na refeição considerada almoço e a outra ao “jantar”… Palavras para quê?
Depois aparecia o Movimento Nacional Feminino a dar-nos alento com promessas vãs e um kit composto por aerogramas e tabaco (eu que até nunca fumei…). De uma festa de Natal que organizaram e que muitos de nós colaborámos afincada e graciosamente, disseram-nos que haveríamos de ser convidados para um jantar-familiar. Porém, até hoje (blá, blá…).
Mas, mesmo assim, aqui expresso o meu reconhecimento àqueles (patrícios e santomenses) que me proporcionaram passar o melhor possível nos dois anos que lá estive (1964 a 1966) e que fizeram o favor de me prestar a sua solidariedade e, principalmente, a Amizade que nos une desde então, sempre reavivada e fortalecida quando nos encontramos. Nos almoços anuais que se têm feito em Portugal, para além do salutar convívio com antigos camaradas que connosco partilharam a desdita, recordam-se as boas e más peripécias que vivemos colectivamente. É o que resta até ao fim dos nossos dias… Àqueles que já não estão connosco, o meu preito de saudade, admiração e apreço.
A todos um Bom Natal e um Feliz Ano Novo!
FOTO: Tirada no dia 25/12/64. Sou o terceiro da direita. Neste almoço, já com novo equipamento foi-nos servida carne de porco, que, quando havia, a chicha era para os oficiais, para os sargentos a intermédia e para nós, soldados, o toucinho, a gordura, etc. Claro!
(Nota: Este texto e imagem foram aqui divulgados no dia 25 de Dezembro de
2007)
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