Título:
AOS
ATLETAS
Autoria:
CARLOS
DRUMMOND DE ANDRADE
(BRASIL,1966)
Os
poetas haviam composto suas odes
para
saudar atletas vencedores.
A
conquista brilhava entre dois toques.
Era
frágil e grácil
fazer da
glória ancila de nós todos.
Hoje,
manuscritos
picados em soluço
chovem
do terraço chuva de irrisão.
Mas eu,
poeta da derrota, me levanto
sem
revolta e sem pranto
para
saudar os atletas vencidos.
Que
importa hajam perdido?
Que
importa o não-ter-sido?
Que me
importa uma taça por três vezes,
se duas
a provei para sentir,
coleante,
n.o fundo, o malicioso
Mercúrio
de sua perda no futuro?
É
preciso xingar o Gordo e o Magro?
E o
médico e o treinador e o massagista?
Que vil
tristeza, essa
a
espalhar-se em rancor, e não em canto
ao
capricho dos deuses e da bola
que
brinca no gramado
em
contínua promessa
e fez um
anjo e faz um ogre de Feola?
Nem
valia ter ganho
a
esquiva copa
e dar a
volta olímpica no estádio
se fosse
para tê-la em nossa copa
ternamente
prenda de família
a
inscrever no inventário
na
coluna de mitos e baixelas
que à
vizinhança humilha,
quando a
taça tem asas, e, voando,
no jogo
livre e sempre novo que se aprende,
a este e
aquele vai-se derramando.
Oi, meu
flavo canarinho,
capricha
nesse trilo
tanto
mais doce quanto mais tranquilo
onde
estiver Bellini ou Jairzinho,
o
engenhoso Tostão, o sempre Djalma Santos,
e Pele e
Gilmar,
qualquer
dos que em Britânia conheceram
depois
da hora radiosa
a hora
dura do esporte,
sem a
qual não há prémio que conforte,
pois
perder é tocar alguma coisa
mais
além da vitória, é encontrar-se
naquele
ponto onde começa tudo
a nascer
do perdido, lentamente.
Canta,
canta, canarinho,
a sorte
lançada entre
o
laboratório de erros
e o
labirinto de surpresas,
canta o
conhecimento do limite,
a madura
experiência a brotar da rota esperança.
Nem
heróis argivos nem párias,
voltam
os homens — estropiados
mas
lúcidos, na justa dimensão.
Souvenirs
na bagagem misturados:
o
dia-sim, o dia-não.
O
dia-nâo completa o dia-sim
na
perfeita medalha. Hoje completos
sáo os
atletas que saúdo:
nas mãos
vazias eles trazem tudo
que
dobra a fortaleza da alma forte.
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