Pelo Professor Doutor Manuel
Sérgio.
Fonte: ABOLA.PT (edição de
20.11.2013) e com a devida vénia.
Tendo
passado a noite a orar, no Monte das Oliveiras, Jesus desceu à cidade, nas
primeiras horas da manhã e dirigiu-se para o Templo. Mal clareava o dia e as
cerimónias religiosas só algumas horas depois começariam. No entanto, os
peregrinos, em cavaqueiras intermináveis, já caminhavam, também em direcção ao
Templo e em número crescente.
Alguns deles, vendo Jesus e os seus discípulos, próximos da Porta Dourada,
sentaram-se junto d’Ele, na esperança de escutar algumas das suas prédicas. De
súbito, como torrente que galga o penedio das margens, uma centena de homens
aos gritos aproximou-se. À frente da turba, numerosos escribas e fariseus
empurravam uma despenteada e assustada mulher que era vítima de toda a sorte de
impropérios. Ao chegar o cortejo bem perto de Jesus, a turba formou um círculo.
A mulher ficou no meio, sacudindo-se em intermináveis soluços.
Um dos escribas levantou a voz:
Mestre, sabemos que és justo e sábio. Aconselha-nos, por isso. “Mas o que se
passa?” inquiriu o Mestre. O escriba deitou-se a um pomposo discurso, cheio de
citações do Antigo Testamento. Distraído, Jesus agachou-se e começou a desenhar
na areia. Findo o exórdio, o escriba concluiu, julgando irrefutáveis as suas
palavras: Logo, porque esta mulher é casada e foi apanhada a fornicar com outro
homem que não é o seu, esta mulher, segundo a lei de Moisés, deve ser
imediatamente delapidada. Qual é a tua opinião, a este respeito? Jesus, sem dar
a mínima atenção ao palavreado do orador, continuava a riscar a areia.
Exasperado, um fariseu rugiu: Não dizes nada? E outro, já de voz embargada: Diz
alguma coisa. Caso contrário, matamos já a mulher...
Quando ouviu a palavra “matar”, Jesus estremeceu e levantou-se. E olhando
fixamente os escribas e os fariseus afirmou em voz pausada: “De todos vós quem
estiver aqui, sem pecado, atire contra esta mulher a primeira pedra”. E voltou
a acabar os desenhos que iniciara. No entanto, como por milagre, nos riscos que
Jesus fizera na areia, surgiram as palavras ladrão, assassino, perjuro,
adúltero, burlão: afinal os crimes daqueles hipócritas juízes, embora
argumentadores sagazes e argutos, os quais, para Jesus, tinham pecados bem
piores, do que os daquela pobre mulher.
Lentamente, os acusadores, transtornados os seus planos, desapareceram e
ficaram Jesus e a mulher, olhando um para o outro. Jesus adiantou-se: “Mulher,
onde estão aqueles que te acusavam? Ninguém te condenou?”. E ela, ainda de voz
embargada: Não, senhor, ninguém me condenou. “Nem eu também te condeno. Vai e
não voltes a pecar”. Grande exemplo o de Jesus! Ele condenou, de facto, os que
vêem o argueiro no olho do seu semelhante e não vêem a trave no seu próprio
olho. Lembrei-me deste trecho, extraído do Evangelho, ao ler e ao escutar as
críticas (que se confundem, tantas vezes, com verdadeiras ofensas morais) que
pessoas responsáveis lançam sobre os árbitros de futebol. Quero eu dizer que os
árbitros não erram, ou que a crítica não os deve julgar? É evidente que os
árbitros erram – mas, permitam-me acrescentar, muitíssimas menos vezes do que
os jogadores, os treinadores e os dirigentes. E, no que à crítica diz respeito
e se bem me lembro da teoria crítica da Escola de Frankfurt, ela representa a
razão na sua função de contestação e desmistificação.
Portanto, porque seres humanos, todos os árbitros erram e a sua conduta, as
suas atuações deverão avaliar-se com uma crítica certeira e incisiva. Mas a
criação de uma atmosfera de suspeita; a sofística de comentadores, hábeis em
dilacerar e enlamear a reputação alheia; um pardo nevoeiro de desconfiança –
tudo isto permite que não se dissequem os erros, os malogros gritantes dos
demais “agentes do futebol” e ainda que circulem invenções de uma gravidade
acusadora e apreensiva, a respeito dos árbitros. E, assim, rodeados de mentiras
desonestamente propaladas, são os árbitros, para o cidadão vulgar, a “causa das
causas” dos resultados dos jogos de futebol. Demais, para muita gente que
governa o futebol, os sócios e simpatizantes dos seus clubes são sempre
tratados como analfabetos e de menor idade.
De facto, não é por causa dos árbitros que as principais equipas atravessam
épocas de menor rendimento, embora um saber massificado assim o diga. A uma
leitura objetiva do que se passa, o futebol do Sporting C.P. (ainda vi jogar os
“cinco violinos” - que saudade!) não está a libertar-se dos malefícios de um
período incompatível com o seu passado, porque os árbitros o distinguem (hoje,
ao contrário de ontem) com atuações favoráveis, mas porque o seu atual
presidente, o Augusto Inácio, o Leonardo Jardim implantaram um novo espírito e
novas práticas na direção e gestão do Clube de Alvalade, que os jogadores
aceitaram e querem corporizar. O Sporting é outro, porque é outra a política
que o governa, porque renasceu a alma que eu, há muitos anos, senti em Jorge
Vieira, durante um Sporting-Belenenses. Relembro uma frase do velho “leão”: já
não sei viver sem o Sporting...
São portugueses alguns dos melhores árbitros do mundo! A nossa arbitragem não
deve nada, em honestidade e competência, ao que se passa, nesta área, no
estrangeiro! Os erros dos árbitros são de bem menor importância que os erros
dos outros “agentes do futebol”. Já cansa tanta mentira institucionalizada. É
verdade que a mentira sempre existiu. Mas, desta vez, a situação é mais grave:
tornou-se moeda corrente e impõe-se à escala do futebol, como um todo. A
urgência de nos colocarmos ao nível do horizonte do nosso tempo pede dos
“agentes do futebol” fidelidade a mais conhecimento e a melhor ética. No
futebol, há muita gente que pode fazer suas as palavras do Diário de Kafka:
“Cada vez sou mais incapaz de pensar, de observar, de falar, de compartir uma
experiência: estou a tornar-me de pedra”. E basta pensar um pouco; basta um
pouco mais de autocrítica – para concluir-se que os erros dos árbitros são de
bem pouca importância, no cotejo com os erros dos outros...
4 comentários:
Tive a Honra de ser discipulo deste ENoRME SENHOR na Faculdade!
Este Sr, o Prof/Dr Manuel Sérgio é das pessoas que melhor sabe analisar, reflectir e explicar as situações à volta do desporto, de qq. desporto. Tive o prazer(algo que nunca esquecerei) de o ouvir a falar p/ um auditório de 200 alunos, onde eu era um deles, na FMH, várias vezes e tb noutros locais.
É de facto um Homem admirável e de um saber interminável!
E OS ERROS DOS OUTROS?
NINGUÉM FALA...
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