sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

ESTADO DA ÍNDIA - SÉRIE VIII - CONSEQUÊNCIAS - CASTIGOS - 62º EPISÓDIO (PUBLICADO EM 10.05.2022, 4/47)

 
O Primeiro-Ministro, António Salazar, dado que os militares que faziam parte do contingente que guarnecia o Estado da Índia, cerca de 3.500 homens, não cumpriram integralmente as suas ordens, que apontavam para a resistência total, afirmando até que "não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos ..." Depois da invasão, Salazar, opôs-se que a questão saísse do âmbito do Regulamento de Disciplina Militar, já que os militares deviam ser sancionados por incompetência e não por traição à Pátria…
 
-FORTE DA GRAÇA- 
 
Assim, ordenou, na qualidade de Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Defesa Nacional, em 3 de setembro de 1962, que, perante os relatórios emitidos pelos visados, os Conselhos Superiores do Exército e da Marinha procedessem à emissão de Parecer, tendo estes avançado e concluído as suas avaliações em 17 de janeiro de 1963.
 
 
Os referidos órgãos eram assim constituídos da seguinte forma:
 
 
CONSELHO SUPERIOR DO EXÉRCITO (8 ELEMENTOS)
Alberto Andrade e Silva (General); Amadeu Buceta Martins (General); Aníbal Frederico da Silveira Machado (General); António Augusto Valadares Tavares (General); António de Matos Maia (General); David dos Santos (General); João Máximo Tassara Machado (General); e Luís Maria Câmara Pina (General).
 
 
CONSELHO SUPERIOR DA ARMADA (5 ELEMENTOS)
Armando Júlio de Reboredo e Silva (Vice-Almirante); Henrique Ernesto Serra dos Santos (Contra-Almirante); Joaquim dos Santos Oliveira Júnior (Contra Almirante); Rui Isaías Newton da Fonseca (Contra-Almirante); e Vasco Lopes Alves (Contra-Almirante).
 
 
O Governo, na sua reunião de 22 de março de 1963, perante as medidas apresentadas, tomou as seguintes decisões:
 
 
DEMITIDOS DAS FORÇAS ARMADAS – TOTAL (10)
 

DO EXÉRCITO (8)
(Estas 8 demissões tiveram efeitos desde 21 de março de 1963 e estão registadas na Ordem do Exército nº 8, II série, de 1 de agosto de 1963, páginas 1235 e 1236).
 
 
General Manuel António Vassalo e Silva, Comandante Chefe, por”não fiscalizou convenientemente a preparação das Forças Armadas, sobretudo no que se refere ao grau de eficiência moral e psicológica. Desrespeitou a disciplina intelectual não se integrando na ideia do seu chefe direto. Embora se possa dizer, e com verdade, que pela preparação das Forças Terrestres ora diretamente responsável o Comando Militar, é ao Comandante Chefe que tem de ser imputada a responsabilidade de tudo quanto se fez ou deixou de fazer. Não reprimiu, como devia, faltas graves dos seus subordinados. Não conduziu as operações com proficiência, dinamismo e determinação. Rendeu-se sem ter empenhado em combate forças de que ainda dispunha. Não cumpriu a missão.”
 
 
Brigadeiro António José Martins Leitão, Comandante Militar, por“não cuidou convenientemente da preparação das Forças Terrestres pela qual era diretamente responsável, sobretudo no seu aspeto tático, moral e psicológico. Revelou a maior passividade , ausência de espírito de iniciativa e de sentimento da responsabilidade, acompanhando quase sempre o Comandante Chefe, sem chamar a si o exercício ativo das funções que lhe competiam. Não cumpriu a missão,”
 
Tenente-Coronel CEM Mário Marques de Andrade, Chefe do Estado Maior, por “não foi um colaborador eficaz dos seus chefes. Não provocou as diretivas, ordens ou instruções necessárias. Demonstrou o maior comodismo e desinteresse como o prova o facto de, na madrugada de 19 de dezembro, não ter orientado convenientemente oficiais que o foram procurar, atitude que pode ter tido influência na decisão que estes tomaram de voltar para a ilha de Goa (Agaçaim), onde foram feitos prisioneiros. Não desempenhou, como lhe competia, as suas funções de Chefe do Estado Maior.”
 
Major de Cavalaria Acácio Nunes Tenreiro, Comandante do Agrupamento Dom João de Castro, por
 “na ilha de Goa não exerceu efetivamente o comando das suas forças, deixando subordinados seus sem ordens. Convocou pelo menos uma reunião para discutir a rendição. Não reprimiu como devia a atitude do Comandante da Polícia e da Guarda Fiscal quando depuseram as armas. Rendeu-se ao inimigo sem combate. Não cumpriu a missão.”
 
Major de Cavalaria José Maria da Silva Rangel de Almeida, Comandante do Agrupamento Afonso de Albuquerque, por“rendeu-se à aviação inimiga sem combate e sem contato com as Forças Terrestres inimigas. Não informou com verdade o Comandante Chefe quando, pela primeira vez o foi procurar na península de Mormugão, sobre a situação real do seu Agrupamento, já rendido ao inimigo. Não cumpriu a missão.”
 
Major CEM Fernando Alberto da Cunha Baptista de Lucena de Almeida Vasconcelos, Comandante do Agrupamento António da Silveira, por“não empenhou forças disponíveis para o combate. Rendeu-se prematuramente sem que as forças inimigas tivessem penetrado na ilha de Diu. Abandonou a Fortaleza de Diu, último reduto da defesa. Não cumpriu a missão.”
 
Capitão de Cavalaria Joaquim Pinto Braz, Comandante da Polícia do Estado Português da Índia, por
“contribuiu de forma decisiva para a deposição das armas da Polícia e da Guarda Fiscal em Pangim, antes da rendição do Agrupamento Dom João de Castro, no qual estas forças estavam integradas. Contribuiu para o clima de desagregação moral que, a certa altura, se desenhou na cidade de Goa. As suas atividades contrárias à continuação da luta foram notórias até mesmo junto do Comandante Chefe.”
 
Capitão de Artilharia Carlos Alberto de Carvalho Felgueiras e Sousa, Comandante da Bataria de Damão, por“revelou ausência de coragem, brio militar e de qualidades de comando. Não cumpriu as ordens do seu Comandante do Agrupamento durante a ação, relativas ao desencadeamento de tiros de apoio. Rendeu-se de sua iniciativa própria e sem conhecimento do seu Comandante.”
 
DA MARINHA (2)
(Estas duas demissões tiveram efeitos desde 15 de abril de 1963 e estão registadas na Ordem da Armada nº 7, da mesma data, páginas 347 e 348).

2º Tenente Manuel José Marques da Silva, Comandante da Lancha de Fiscalização “Sirius”, por
“encalhou e inutilizou para combate a Lancha de Fiscalização “Sirius” sem ter sofrido qualquer pressão do inimigo. Abandonou-a sem destruição completa. Afastou-se do grupo de embarcações em que seguia sob as ordens do Comandante Naval, acabando por acolher-se, com um núcleo de Sargentos e Praças que se encontravam sob sua autoridade, a um navio estrangeiro fundeado no porto de Mormugão. Decidiu não se reunir de novo ao Comando Naval, quando lhe foi dito, para tanto oferecida oportunidade.
 
1º Sargento Sinaleiro 3025, Carlos São Marcos da Piedade, do Aviso “Afonso de Albuquerque, por
responsável por ter mandado içar um pano branco, em combate, visto que, apesar de afirmar que recebeu ordens para esse efeito, não indicou quem lha deu.”
 
REFORMADOS COMPULSIVAMENTE – TOTAL (5)

DO EXÉRCITO (4)

(Os militares assinalados com a), foram desligados do serviço, desde 21 de março de 1963, por passarem ilegalmente da península de Mormugão para Agaçaim, com o seu superior. Ordem do Exército nº 8, II série, de 1 de agosto de 1963, páginas 1321 e 1322).
(Os militares assinalados com b) foram desligados do serviço, desde 21 de março de 1963, pelo mesmo ilícito. Ordem do Exército nº 10, II série, de 1 de outubro de 1963, página 1609).

Major de Artilharia Manuel Marques Peralta, Chefe da 4ª Repartição do Quartel-General a)
Major do Quadro do Serviço de Material João Luís Pimentel de Oliveira, Chefe do Serviço de Material do Quartel-General b)
Major de Cavalaria Francisco José de Morais, Chefe da 1ª Repartição do Quartel-General e Comandante do Agrupamento do Centro a)
Capitão de Cavalaria Rúben Marques de Andrade, Comandante da Companhia de Comando e Serviços do Quartel-General b)

DA MARINHA (1)

Comodoro Raul Viegas Ventura, Comandante Naval de Goa, por
não esclareceu devidamente a missão a desempenhar pela Marinha, por falte de reuniões prévias dos comandos subordinados com o Comando Naval. Não elaborou ordem de operações para a Lancha de Fiscalização “Sirius”, nem instruiu o Comandante acerca da missão. Revelou falta de coordenação no exercício de comando e a sua atuação durante a ação foi apagada.”
(Esta decisão está registada na Ordem da Marinha n º 7, de 15 de abril de 1963, página 346).
 
INATIVIDADE POR 6 MESES IGUAL A MESMO TEMPO DE PRISÃO NO FORTE DA GRAÇA, EM ELVAS! – TOTAL (9)

DO EXÉRCITO (8)

(Os 8 militares a seguir descritos foram desligados do serviço desde 21 de março de 1963, por terem acompanhado, no decorrer da invasão,
da península de Mormugão para Agaçaim com o seu superior, o Chefe da 1ª Repartição, Major de Cavalaria Francisco José de Morais.
Os assinalados com c) tem o registo na Ordem do Exército nº 8, II série, de 1 de agosto de 1963, página 1322.
O assinalado com d), tem o registo na Ordem do Exército nº 9, II série, de 1 de setembro de 1963, páginas 1519/1520.
O assinalado com e) tem o registo na Ordem do Exército nº 10, II série, de 1 de outubro de 1966, página 1678.

Capitão Médico Ângelo Augusto Soares Fernandes Gonçalves Guimarães, do Quartel-General c)
Entrou na prisão em 28.03 (14H00) e saiu em 24.09 (13H00) = 180 dias de cativeiro!
Capitão de Infantaria António da Graça Borda d’Água, do Quartel-General c)
Entrou na prisão em 01.04 (22H00) e saiu em 28.09 (13H00) = 180 dias de cativeiro!
Capitão de Infantaria António Xavier Lopes Pereira de Meneses, do Quartel-General c)
Entrou na prisão em 21.04 (06H30) e saiu em 18.10 (18H18) = 180 dias de cativeiro!
Capitão de Cavalaria Marcelo Vítor Lopes César Monteiro, Comandante do Destacamento de Ligação e Reconhecimento de Transmissões do Quartel-General c)
Entrou na prisão em 28.03 (23H30) e saiu em 24.09 (13H00) = 180 dias de cativeiro!
Capitão de Infantaria Orlando Couto Leite, do Quartel-General c)
Entrou na prisão em 30.03 (20H00) e saiu em 26.09 (13H00) = 180 dias de cativeiro!
Tenente do Serviço de Administração Militar João Alberto Rodrigues Dias, do Quartel-General
Entrou na prisão em 30.03 (18H00) e saiu em 27.09 (09H00) = 181 dias de cativeiro!
Tenente do Quadro do Serviço Material Octávio Duílio Leal Gomes Leite, do Quartel-General d)
Entrou na prisão em 08.04 (14H25) e saiu em 05.10 (18H18) = 180 dias de cativeiro!
Alferes Miliciano de Cavalaria Diogo Francisco Passanha Braamcamp Sobral, do Quartel-General e)
Entrou na prisão em 28.03 (21H45) e saiu em 18.09 (16H15) = 174 dias de cativeiro *
* Pena reduzida para poder acompanhar a esposa que se encontrava doente.
 
DA MARINHA (1)

Capitão-Tenente Engenheiro Maquinista Naval João Valentim Soares Felner, Chefe do Serviço de Máquinas do Aviso “Afonso de Albuquerque”,
Entrou na prisão em 10.04 (17H00) e saiu em 05.10 (09H00) = 178 dias de cativeiro!
por “provocou a avaria prematura das máquinas principais do Aviso “Afonso de Albuquerque”, sem ordens expressas do comando, impedindo deste modo a efetivação do encalhe no local que fora fixado e obstante ao efeito que, nessa altura se poderia obter da velocidade para destruição do navio.
(Esta decisão está registada na Ordem da Marinha n º 7, de 15 de abril de 1963, páginas 346 e 347).
 
Os primeiros-Sargentos António da Silva Ferro e Carlos António Abrantes e os segundos-Sargentos Serafim Bernardo e Nuno Monteiro Félix, todos do Quartel-General, que também acompanharam o seu chefe hierárquico na travessia, a passagem de Mormugão para Agaçaim, mas não consta terem sofrido qualquer punição.
 
Algumas notas (algumas delas bem tristes):
Lamentável e incompreensivelmente estes militares (do Exército e da Marinha), cumpriram os 6 meses de inatividade, presos efetivamenteno Forte da Graça, em Elvas, entre março e outubro de 1963, como se pode observar nas Ordens de Serviço do Estabelecimento prisional!
 
O Regulamento de Disciplina Militar, mesmo caduco, bolorento e nefasto (datava de 1929!!!!) no seu artigo 14º dava conta que a pena a aplicar, entre 2 e 6 meses  (e levaram logo a mais pesada), seria cumprida 1/3 em recinto fortificado e 2/3 na residência, contudo a determinação superior obrigou
que estivessem presos no forte durante todo o tempo do castigo
 
Mas pior, muito pior, foram outras consequências que sofreram, como o estarem impedidos de qualquer transferência de serviço antes de 2 anos do termino da data da prisão,cujo pena não contava para tempo de serviço e, ainda, obrigatoriamente desciam na escala de acesso a promoção durante 10 anos e mais o tempo de castigo!
 
Foram vinte e quatro militares que viram quanto doloroso foi terem sido punidos pelas conclusões a que chegaram os Conselhos Superiores do Exército e da Marinha, ao emitirem o seu Parecer, depois de analisarem os relatórios elaborados pelos visados.
 
Registe-se que os restantes militares que serviram no Estado da Índia, quando da invasão, foram ilibados, para todos os efeitos legais, de quaisquer responsabilidades.
 
Entretanto, só após o 25 de abril de 1974, foi possível analisar todo este processo de castigos e, por ordem do então Presidente da República e Comandante Chefe das Forças Armadas, General Francisco Costa Gomes,foi criada a Comissão de Revisão do Processo do “Caso da Índia”, que avançou e completou o seu trabalho em 24 de setembro de 1974, elaborando o projeto de Decreto-Lei que veio a ser aprovado.
 
Eis a sua constituição:
Carlos Alexandre de Morais (Major de Cavalaria-Reserva)
Carlos Manuel de Azeredo Pinto de Melo e Leme (Tenente-Coronel de Cavalaria)
José Rodrigues de Oliveira (Capitão-Tenente da Armada)
Manuel Joaquim Martins Engrácia Antunes (Tenente-Coronel de Cavalaria)
José Sousa Carrusca (Advogado)
 
Todos estes castigos foram revogados pelo Decreto-Lei nº 727/74, publicado no Diário do Governo 295, I série, de 19 de dezembro de 1974, páginas 1587 e 1588,o qual não só anulou as penas impostas aos militares punidos como mandou reintegrá-los nas Forças Armadas e refazer-lhes as respetivas carreiras.
Este documento teve origem no Conselho de Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas, constituído por:
Carlos Alberto Idães Soares Fabião (Coronel, Chefe do Estado Maior do Exército)
Francisco da Costa Gomes (General e Comandante Chefe das Forças Armadas)
José Baptista Pinheiro de Azevedo (Capitão-Mar-e-Guerra, Chefe do Estado Maior da Armada)
Narciso Mendes Dias (General, Chefe do Estado Maior da Força Aérea).
 
Também assinaram o diploma:
José Silva Lopes (Doutor, Ministro das Finanças)
Vítor Manuel Rodrigues Alves (Major, Ministro da Defesa Nacional)

 

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