O Primeiro-Ministro, António Salazar, dado que os militares
que faziam parte do contingente que guarnecia o Estado da Índia, cerca de 3.500
homens, não cumpriram integralmente as suas ordens, que apontavam para a
resistência total, afirmando até que "não prevejo possibilidade de
tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois
sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos
..." Depois da invasão, Salazar, opôs-se que a questão saísse do
âmbito do Regulamento de Disciplina Militar, já que os militares deviam ser
sancionados por incompetência e não por traição à Pátria…
Assim, ordenou, na qualidade de Presidente do Conselho de
Ministros e Ministro da Defesa Nacional, em 3 de setembro de 1962, que, perante
os relatórios emitidos pelos visados, os Conselhos Superiores do Exército e da
Marinha procedessem à emissão de Parecer, tendo estes avançado e concluído as
suas avaliações em 17 de janeiro de 1963.
Os
referidos órgãos eram assim constituídos da seguinte forma:
CONSELHO SUPERIOR DO EXÉRCITO (8 ELEMENTOS)
Alberto Andrade e Silva (General); Amadeu Buceta Martins
(General); Aníbal Frederico da Silveira Machado (General); António Augusto
Valadares Tavares (General); António de Matos Maia (General); David dos Santos
(General); João Máximo Tassara Machado (General); e Luís Maria Câmara Pina
(General).
CONSELHO SUPERIOR DA ARMADA (5 ELEMENTOS)
Armando Júlio de Reboredo e Silva (Vice-Almirante); Henrique
Ernesto Serra dos Santos (Contra-Almirante); Joaquim dos Santos Oliveira Júnior
(Contra Almirante); Rui Isaías Newton da Fonseca (Contra-Almirante); e Vasco
Lopes Alves (Contra-Almirante).
O Governo, na sua reunião de 22 de março de 1963, perante as
medidas apresentadas, tomou as seguintes decisões:
DEMITIDOS
DAS FORÇAS ARMADAS – TOTAL (10)
DO EXÉRCITO (8)
(Estas 8 demissões tiveram efeitos desde 21 de março
de 1963 e estão registadas na Ordem do Exército nº 8, II série, de 1 de agosto
de 1963, páginas 1235 e 1236).
General Manuel António Vassalo e Silva, Comandante Chefe,
por”não fiscalizou convenientemente a preparação das Forças
Armadas, sobretudo no que se refere ao grau de eficiência moral e psicológica.
Desrespeitou a disciplina intelectual não se integrando na ideia do seu chefe
direto. Embora se possa dizer, e com verdade, que pela preparação das Forças
Terrestres ora diretamente responsável o Comando Militar, é ao Comandante Chefe
que tem de ser imputada a responsabilidade de tudo quanto se fez ou deixou de
fazer. Não reprimiu, como devia, faltas graves dos seus subordinados. Não
conduziu as operações com proficiência, dinamismo e determinação. Rendeu-se sem
ter empenhado em combate forças de que ainda dispunha. Não cumpriu a missão.”
Brigadeiro António José Martins Leitão, Comandante
Militar, por“não cuidou convenientemente da preparação das Forças
Terrestres pela qual era diretamente responsável, sobretudo no seu aspeto
tático, moral e psicológico. Revelou a maior passividade , ausência de espírito
de iniciativa e de sentimento da responsabilidade, acompanhando quase sempre o
Comandante Chefe, sem chamar a si o exercício ativo das funções que lhe
competiam. Não cumpriu a missão,”
Tenente-Coronel CEM Mário Marques de Andrade, Chefe do
Estado Maior, por “não foi um colaborador eficaz dos seus chefes. Não
provocou as diretivas, ordens ou instruções necessárias. Demonstrou o maior
comodismo e desinteresse como o prova o facto de, na madrugada de 19 de
dezembro, não ter orientado convenientemente oficiais que o foram procurar,
atitude que pode ter tido influência na decisão que estes tomaram de voltar
para a ilha de Goa (Agaçaim), onde foram feitos prisioneiros. Não desempenhou,
como lhe competia, as suas funções de Chefe do Estado Maior.”
Major de Cavalaria Acácio Nunes Tenreiro, Comandante do
Agrupamento Dom João de Castro, por
“na ilha de Goa
não exerceu efetivamente o comando das suas forças, deixando subordinados seus
sem ordens. Convocou pelo menos uma reunião para discutir a rendição. Não
reprimiu como devia a atitude do Comandante da Polícia e da Guarda Fiscal
quando depuseram as armas. Rendeu-se ao inimigo sem combate. Não cumpriu a
missão.”
Major de Cavalaria José Maria da Silva Rangel de Almeida,
Comandante do Agrupamento Afonso de Albuquerque, por“rendeu-se à aviação inimiga sem combate e sem contato
com as Forças Terrestres inimigas. Não informou com verdade o Comandante Chefe
quando, pela primeira vez o foi procurar na península de Mormugão, sobre a
situação real do seu Agrupamento, já rendido ao inimigo. Não cumpriu a missão.”
Major CEM Fernando Alberto da Cunha Baptista de Lucena de
Almeida Vasconcelos, Comandante do Agrupamento António da Silveira, por“não empenhou forças disponíveis para o combate.
Rendeu-se prematuramente sem que as forças inimigas tivessem penetrado na ilha
de Diu. Abandonou a Fortaleza de Diu, último reduto da defesa. Não cumpriu a
missão.”
Capitão de Cavalaria Joaquim Pinto Braz, Comandante da
Polícia do Estado Português da Índia, por
“contribuiu de forma decisiva para a deposição das armas
da Polícia e da Guarda Fiscal em Pangim, antes da rendição do Agrupamento Dom
João de Castro, no qual estas forças estavam integradas. Contribuiu para o
clima de desagregação moral que, a certa altura, se desenhou na cidade de Goa.
As suas atividades contrárias à continuação da luta foram notórias até mesmo
junto do Comandante Chefe.”
Capitão de Artilharia Carlos Alberto de Carvalho
Felgueiras e Sousa, Comandante da Bataria de Damão, por“revelou ausência de coragem, brio militar e de
qualidades de comando. Não cumpriu as ordens do seu Comandante do Agrupamento
durante a ação, relativas ao desencadeamento de tiros de apoio. Rendeu-se de
sua iniciativa própria e sem conhecimento do seu Comandante.”
DA MARINHA (2)
(Estas duas demissões tiveram efeitos desde 15 de
abril de 1963 e estão registadas na Ordem da Armada nº 7, da mesma data,
páginas 347 e 348).
2º Tenente Manuel José Marques da Silva, Comandante da
Lancha de Fiscalização “Sirius”, por
“encalhou e inutilizou para combate a Lancha de
Fiscalização “Sirius” sem ter sofrido qualquer pressão do inimigo. Abandonou-a
sem destruição completa. Afastou-se do grupo de embarcações em que seguia sob
as ordens do Comandante Naval, acabando por acolher-se, com um núcleo de Sargentos
e Praças que se encontravam sob sua autoridade, a um navio estrangeiro fundeado
no porto de Mormugão. Decidiu não se reunir de novo ao Comando Naval, quando lhe
foi dito, para tanto oferecida oportunidade.
1º Sargento Sinaleiro 3025, Carlos São Marcos da Piedade,
do Aviso “Afonso de Albuquerque, por
“responsável por ter mandado içar um pano branco, em
combate, visto que, apesar de afirmar que recebeu ordens para esse efeito, não
indicou quem lha deu.”
REFORMADOS
COMPULSIVAMENTE – TOTAL (5)
DO EXÉRCITO (4)
(Os militares assinalados com a), foram desligados do
serviço, desde 21 de março de 1963, por passarem ilegalmente da península de
Mormugão para Agaçaim, com o seu superior. Ordem do Exército nº 8, II
série, de 1 de agosto de 1963, páginas 1321 e 1322).
(Os militares assinalados com b) foram desligados do
serviço, desde 21 de março de 1963, pelo mesmo ilícito. Ordem do Exército nº
10, II série, de 1 de outubro de 1963, página 1609).
Major de Artilharia Manuel Marques Peralta, Chefe da 4ª Repartição
do Quartel-General a)
Major do Quadro do Serviço de Material João Luís Pimentel
de Oliveira, Chefe do Serviço de Material do Quartel-General b)
Major de Cavalaria Francisco José de Morais, Chefe da 1ª
Repartição do Quartel-General e Comandante do Agrupamento do Centro a)
Capitão de Cavalaria Rúben Marques de Andrade, Comandante
da Companhia de Comando e Serviços do Quartel-General b)
DA MARINHA (1)
Comodoro Raul Viegas Ventura, Comandante Naval de Goa,
por
“não esclareceu devidamente a missão a desempenhar pela
Marinha, por falte de reuniões prévias dos comandos subordinados com o Comando
Naval. Não elaborou ordem de operações para a Lancha de Fiscalização “Sirius”,
nem instruiu o Comandante acerca da missão. Revelou falta de coordenação no exercício
de comando e a sua atuação durante a ação foi apagada.”
(Esta decisão está registada na Ordem da Marinha n º
7, de 15 de abril de 1963, página 346).
INATIVIDADE
POR 6 MESES IGUAL A MESMO TEMPO DE PRISÃO NO FORTE DA GRAÇA, EM ELVAS! – TOTAL
(9)
DO EXÉRCITO (8)
(Os 8 militares a seguir descritos foram desligados do
serviço desde 21 de março de 1963, por terem acompanhado, no decorrer da
invasão,
da península de Mormugão para Agaçaim com o seu
superior, o Chefe da 1ª Repartição, Major de Cavalaria Francisco José de
Morais.
Os assinalados com c) tem o registo na Ordem do
Exército nº 8, II série, de 1 de agosto de 1963, página 1322.
O assinalado com d), tem o registo na Ordem do
Exército nº 9, II série, de 1 de setembro de 1963, páginas 1519/1520.
O assinalado com e) tem o registo na Ordem do Exército
nº 10, II série, de 1 de outubro de 1966, página 1678.
Capitão Médico Ângelo Augusto Soares Fernandes Gonçalves
Guimarães, do Quartel-General c)
Entrou na prisão em 28.03 (14H00) e saiu em 24.09 (13H00)
= 180 dias de cativeiro!
Capitão de Infantaria António da Graça Borda d’Água, do
Quartel-General c)
Entrou na prisão em 01.04 (22H00) e saiu em 28.09 (13H00)
= 180 dias de cativeiro!
Capitão de Infantaria António Xavier Lopes Pereira de Meneses,
do Quartel-General c)
Entrou na prisão em 21.04 (06H30) e saiu em 18.10 (18H18)
= 180 dias de cativeiro!
Capitão de Cavalaria Marcelo Vítor Lopes César Monteiro,
Comandante do Destacamento de Ligação e Reconhecimento de Transmissões do
Quartel-General c)
Entrou na prisão em 28.03 (23H30) e saiu em 24.09 (13H00)
= 180 dias de cativeiro!
Capitão de Infantaria Orlando Couto Leite, do
Quartel-General c)
Entrou na prisão em 30.03 (20H00) e saiu em 26.09 (13H00)
= 180 dias de cativeiro!
Tenente do Serviço de Administração Militar João Alberto
Rodrigues Dias, do Quartel-General
Entrou na prisão em 30.03 (18H00) e saiu em 27.09 (09H00)
= 181 dias de cativeiro!
Tenente do Quadro do Serviço Material Octávio Duílio Leal
Gomes Leite, do Quartel-General d)
Entrou na prisão em 08.04 (14H25) e saiu em 05.10 (18H18)
= 180 dias de cativeiro!
Alferes Miliciano de Cavalaria Diogo Francisco Passanha
Braamcamp Sobral, do Quartel-General e)
Entrou na prisão em 28.03 (21H45) e saiu em 18.09 (16H15)
= 174 dias de cativeiro *
* Pena reduzida para
poder acompanhar a esposa que se encontrava doente.
DA MARINHA (1)
Capitão-Tenente Engenheiro Maquinista Naval João Valentim
Soares Felner, Chefe do Serviço de Máquinas do Aviso “Afonso de Albuquerque”,
Entrou na prisão em 10.04 (17H00) e saiu em 05.10 (09H00)
= 178 dias de cativeiro!
por “provocou a avaria prematura das máquinas principais
do Aviso “Afonso de Albuquerque”, sem ordens expressas do comando, impedindo
deste modo a efetivação do encalhe no local que fora fixado e obstante ao
efeito que, nessa altura se poderia obter da velocidade para destruição do
navio.”
(Esta decisão está registada na Ordem da Marinha n º
7, de 15 de abril de 1963, páginas 346 e 347).
Os primeiros-Sargentos António da Silva Ferro e Carlos António
Abrantes e os segundos-Sargentos Serafim Bernardo e Nuno Monteiro Félix, todos
do Quartel-General, que também acompanharam o seu chefe hierárquico na
travessia, a passagem de Mormugão para Agaçaim, mas não consta terem sofrido
qualquer punição.
Algumas notas (algumas delas bem tristes):
Lamentável e incompreensivelmente estes militares (do
Exército e da Marinha), cumpriram os 6 meses de inatividade, presos
efetivamenteno Forte da Graça, em Elvas, entre março e outubro de 1963,
como se pode observar nas Ordens de Serviço do Estabelecimento prisional!
O Regulamento de Disciplina Militar, mesmo caduco, bolorento
e nefasto (datava de 1929!!!!) no seu artigo 14º dava conta que a pena a
aplicar, entre 2 e 6 meses (e levaram logo a mais
pesada), seria cumprida 1/3 em recinto fortificado e 2/3 na residência, contudo
a determinação superior obrigou
que estivessem presos no forte durante todo o tempo do
castigo
Mas pior, muito pior, foram outras consequências que
sofreram, como o estarem impedidos de qualquer transferência de serviço antes
de 2 anos do termino da data da prisão,cujo pena não contava para tempo de serviço e, ainda,
obrigatoriamente desciam na escala de acesso a promoção durante 10 anos e mais
o tempo de castigo!
Foram
vinte e quatro militares que viram quanto doloroso foi terem sido punidos pelas
conclusões a que chegaram os Conselhos Superiores do Exército e da Marinha, ao emitirem o seu Parecer, depois de
analisarem os relatórios elaborados pelos visados.
Registe-se
que os restantes militares que serviram no Estado da Índia, quando da invasão,
foram ilibados, para todos os efeitos legais, de quaisquer responsabilidades.
Entretanto, só após o 25 de abril de 1974, foi possível
analisar todo este processo de castigos e, por ordem do então Presidente da
República e Comandante Chefe das Forças Armadas, General Francisco Costa Gomes,foi criada a Comissão de Revisão do Processo do “Caso da Índia”, que avançou e completou
o seu trabalho em 24 de setembro de 1974, elaborando o projeto de Decreto-Lei
que veio a ser aprovado.
Eis a sua constituição:
Carlos Alexandre de Morais (Major de Cavalaria-Reserva)
Carlos Manuel de Azeredo Pinto de Melo e Leme (Tenente-Coronel de
Cavalaria)
José Rodrigues de Oliveira (Capitão-Tenente da Armada)
Manuel Joaquim Martins Engrácia Antunes (Tenente-Coronel de Cavalaria)
José Sousa Carrusca (Advogado)
Todos estes castigos foram revogados pelo Decreto-Lei nº 727/74, publicado
no Diário do Governo 295, I série, de 19 de dezembro de 1974, páginas 1587 e
1588,o qual não só anulou as penas impostas aos militares punidos como mandou
reintegrá-los nas Forças Armadas e refazer-lhes as respetivas carreiras.
Este documento teve origem no Conselho de Chefes dos Estados-Maiores das
Forças Armadas, constituído por:
Carlos Alberto Idães Soares Fabião (Coronel, Chefe do Estado Maior do Exército)
Francisco da Costa Gomes (General e Comandante Chefe das Forças Armadas)
José Baptista Pinheiro de Azevedo (Capitão-Mar-e-Guerra, Chefe do Estado
Maior da Armada)
Narciso Mendes Dias (General, Chefe do Estado Maior da Força Aérea).
Também assinaram o diploma:
José Silva Lopes (Doutor, Ministro das Finanças)
Vítor Manuel Rodrigues Alves (Major, Ministro da Defesa Nacional)
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