A
propósito do 117º aniversário do primeiro torneio de futebol realizado em Lisboa,
hoje comemorado, levou-me a avançar com uma pequena série, onde vou realçar e
dar conta do que já se passou entre a data desta efeméride e a época 1919/1920,
assim tenha saúde para concretizar este aliciante projeto.
Quanto
à história, tudo começou em fevereiro de 1906, quando a redação da revista
“Tiro e Sport”, cujo interesse pelo futebol já vinha de longa data, resolveu
avançar com a realização de um torneio como deve ser, isto é, com regulamento, regras
do jogo em vigor, com clubes regularmente constituídos, com campo apropriado, com
jogadores habilitados, com árbitros credenciados e todo o restante. Enfim, com
tudo que pudesse proporcionar não só o desenvolvimento da modalidade, como o
aumentar o número de atividades desportivas ao ar livre, visando o benefício da
comunidade, já que a Educação Física, estava muito arredada da população, como
de tantas outras coisas importantes, para a vivência do seu dia-a-dia.
-CAMPO DOS INGLESES, NA CRUZ QUEBRADA-
Nesse
sentido, convidou um “entendido” do meio, Carlos Vilar, oficial da Armada, que
viria a ser o primeiro presidente do Club Internacional de Foot-ball, para
supervisionar o referido campeonato. A revista também recebeu da Casa Senna, uma
valiosa oferta, um admirável trofeu em bronze, a ser atribuído ao vencedor.
-UM DOS JOGOS, NO CAMPO DA CRUZ QUEBRADA-
O
Regulamento da prova, com data de fevereiro de 1906, tinha como base, os
seguintes pontos:
-TROFÉU OFERECIDO PELA CASA SENNA, PARA O VENCEDOR DO TORNEIO-
1º
- A inscrição far-se-á por carta dirigida à revista ilustrada “Tiro e Sport”, a
qual deverá ser ali recebida até ao dia 10 de março próximo futuro inclusive;
2º
- Na referida carta indicará cada clube um representante técnico (podendo ao
mesmo tempo jogador) o qual juntamente com o dos outros clubes constituirá um
júri que resolverá em última instância todas as dificuldades que se levantarem
no torneio, devendo, portanto, funcionar até completa liquidação do mesmo. § único -
indicar-se-á também a morada do respetivo representante.
3º
- O torneio terá lugar no campo de jogos do Lisbon Cricket Club, na Cruz Quebrada,
relvado, bem tratado e marcado impecavelmente, aos sábados, cerca das 16 horas,
e a começar no dia 17 do corrente.
4º
- Só podem formar parte dos grupos os sócios efetivos dos respetivos clubes e
que o sejam, pelo menos, há um mês, não podendo o mesmo jogador entrar em mais
d’um grupo.
5º
- As bolas para os jogos serão fornecidas à sorte sucessivamente pelos
diferentes grupos concorrentes.
-A PARTIR DE 1922, O LISBON CRICKET CLUB, PASSOU A DENOMINAR-SE COMO CONSTA NESTE SEU EMBLEMA-
Os
jogos teriam a duração de uma hora e vinte minutos, com duas partes de 40
minutos cada e um intervalo de 5 minutos. No caso de empate no final do
encontro, seria este prolongado por séries de 10 minutos, sem intervalo, mas
com a mudança de campo ao fim de cada 5 minutos.
Dos
grupos convidados para participarem, só não se inscreveu o dos Empregados do
Telégrafo Submarino de Carcavelos, o Carcavellos Club. Foram, então, apurados os seguintes clubes:
Lisbon Cricket Club, Foot-ball Cruz Negra, Sport Lisboa e Club Internacional de
Foot-ball.
-SPORT LISBOA-
Antes
de se iniciar o torneio constatou-se grande entusiasmo perante esta iniciativa,
pois foi a primeira vez que concorreram este número de equipas.
A
revista “Tiro e Sport”, que editou as “As Regras do jogo”, nas suas 17 Leis,
durante 6 edições, de 31 de agosto de 1906 a 15 de novembro de 1906, expressou,
a propósito, a seguinte mensagem: Cheios de fé no resultado desta
propaganda, cremos que ela será o início da implantação definitiva entre nós
deste tão interessante e higiénico exercício desportivo.
O
sorteio efetuado em 12 de março de 1906, ditou os seguintes jogos:
1ª
JORNADA - 17 DE MARÇO DE 1906
Lisbon Cricket Club – jogadores: S.
Rawes, J. Raukin, H. Rawes, G. Bleck, Gray, William, Mac-Nicolla, Hemery, C.
Barley, Stibali e Read.
Sport
Lisboa – jogadores: Manuel Móra, Cosme, Emílio, Albano, Levy, Couto, Silvestre, C. Rodrigues,
Daniel, A. Rodrigues e França.
O
resultado no final do desafio foi de 1-0 a favor do Lisbon Cricket Club, que
ficou, assim, apurado para disputar a final. O golo foi apontado por J. Raukin,
na conversão de uma grande penalidade, cometida por Emílio sobre C. Barley. A marca da grande penalidade estava a 12 metros da linha de baliza.
2ª
JORNADA - 24 DE MARÇO DE 1906
Clube
Internacional de Foot-ball – jogadores: Clarck, Eduardo Pinto Basto, Shadock,
James Scarlett, Amorim, Guilherme Pinto Basto, Sissener, J. Guerra, Frederico
Pinto Basto, Crow e Bolt.
Foot-ball
Cruz Negra – jogadores: Freitas, Pereira, Aldim, Travassos, Neves, Carlos,
Armando, Abel, Macedo, Botelho e Shirley.
O
tempo estava de chuva, ambiente muito interessante para a prática do futebol,
como o caso em Paris que, em 1892, existiam apenas 6 clubes e, em 1906, segundo
o último recenseamento, mais de 300! A chuva começou a cair ao intervalo o que
tornou o piso escorregadio, provocando algumas quedas e prejudicou a marcha do
jogo. Ao intervalo, o resultado era de 3-0 a favor do Clube Internacional de
Futebol. Já no final registou-se 4-0.
-CARLOS VILLAR-
3ª
E ÚLTIMA JORNADA - 31 DE MARÇO DE 1906
Jogaram
a final, os vencedores dos encontros disputados.
Lisbon Cricket Club – jogadores: S.
Rawes, C. Rankin, H. Rawes, G. Bleck, G. Gray, H. William, D. Rawes, W. Fenry,
J. Rankin, F. Frick e C. Barley.
Club
Internacional de Foot-ball – jogadores: Clarck, Eduardo Pinto Basto, Shadock,
James Scarlett, Amorim, Guilherme Pinto Basto, Sissener, J. Guerra, Frederico
Pinto Basto, Crow e Bolt.
Registe-se
que o Club Internacional de Foot-ball ficou privado do seu jogador Frederico
Pinto Basto, aos 2 minutos de jogo, por falta grosseira cometida por H. Rawes,
logo foi uma forte contrariedade que se refletiu no resultado, pois perdeu o
jogo por 3-1, com 2 golos de J. Rankin e D. Rawes. Nesta altura, o capítulo das
substituições ainda não vigorava, portanto, teve que atuar, praticamente, desde
o início, com 10 elementos. Pelo Club Internacional de Foot-ball, marcou J.
Guerra.
Durante
o torneio, o policiamento ao recinto desportivo foi feito por vários sócios de
diversos clubes, não se tendo verificado o mais pequeno conflito. Os jogos
foram disputados com imenso público nacional e estrangeiro (inglês), que pagou
o seu ingresso. Após o jogo final o Lisbon Cricket Club serviu chá e bolos a
todos os seus convidados, incluindo os sócios dos clubes portugueses, que muito
penhorados ficaram pela maneira como foram recebidos. O troféu destinado ao
vencedor, intitulado "Bronze Viúva Alexandre Senna", foi entregue pela redação de revista “Tiro e Sport” à direção do clube
vencedor.