quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

ESTADO DA ÍNDIA – SÉRIE VI – DESEMPENHOS – LANCHA DE FISCALIZAÇÃO “SIRIUS” – 57º EPISÓDIO

 

GUARNIÇÃO: 9 TRIPULANTES

 

OFICIAL E COMANDANTE: 1

Manuel José Marques da Silva, 2º Tenente

SARGENTOS: 2

Agostinho Romão dos Santos, 1º Sargento de Manobra.

António da Rocha Afonso Tição, 2º Sargento Artífice, Condutor de Máquinas.


PRAÇAS: 6

Domingos Cabaço Gardete, Marinheiro Eletricista.

Hermano Rodrigues Filipe, Marinheiro Fogueiro/Motorista.

João Caldas de Freitas, Marinheiro Artilheiro.

José Joaquim de Carvalho, Marinheiro Fogueiro.

José dos Santos Reis, 1º Grumete Artilheiro.

Manuel das Neves, Marinheiro Radiotelegrafista.

No dia 18 de dezembro de 1961, durante as hostilidades e aquando da invasão, a embarcação foi afundada pelo seu comandante.

Ao Comandante Marques da Silva, é-lhe aplicada, em 1963, depois de analisado o relatório que aborda a decisão do afundamento da Lancha, a pena de Demissão da Armada Portuguesa.

Este castigo foi anulado em 19 de dezembro de 1974, através do Decreto-Lei 727, oriundo do Conselho de Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas, publicado no Diário do Governo 295, I série, da mesma data, páginas 1587 e 1588, dando origem à reintegração do 2º Tenente Manuel José Marques da Silva, nas fileiras da Armada portuguesa.

Em 2015 o Comandante Marques da Silva escreveu e publicou o livro “A última história de Goa-NRP Sirius”.

Entretanto, registe-se o seu depoimento prestado ao jornal Expresso, em 19 de dezembro de 2015, que aqui se reproduz, com a devida vénia: 

Cheguei a 3 de dezembro de 1961, com uma guia de marcha para ir comandar a lancha “Vega”, que, entretanto, já tinha sido enviada para Diu, com o Oliveira e Carmo. O Comandante Brito e Abreu estava em Damão com a “Antares” e sobrava a “Sirius” que tinha ficado em reparação em Goa, que não chegou a fazer. Veio para o mar no dia 13 de dezembro. Fundeei ao largo do porto de Mormugão, onde já estavam 5 navios indianos. Na madrugada de 18 de dezembro fui apanhado de surpresa com os ataques dos aviões inimigos na outra margem, onde se situava o aeroporto e os ataques dos navios da artilharia indiana. O aviso “Afonso de Albuquerque” fundeado no rio arrancou e ripostou com fogo. Entretanto, chegou uma mensagem: “Em caso de situação perdida, afundar o navio”. Quando o “Afonso de Albuquerque” foi atingido fecharam o porto e as comunicações pararam. Mantive a calma. Era a primeira vez que me acontecia uma situação daquelas. Percebi que, com o “Afonso de Albuquerque” encalhado e a ser flagelado pelo inimigo não teria hipóteses de reagir. Decidi afundar a lancha. Mandei os meus homens sair. Vieram a nadar para terra. Afundar um navio não é uma coisa fácil. Tentei abrir as válvulas de fundo para que a água entrasse. Estavam calcinadas. Lembrei-me que a lancha tinha estado no estaleiro para reparar uns veios nas hélices, porque entrava água… Talvez se fizer marcha-a-ré com toda a força contra os rochedos a água entre, pensei. Investi.

Ouvi um estrondo brutal. Quando a água começou a entrar saltei e nadei para terra. Ficamos abrigados nos rochedos e ver o fogo de artilharia e um estilhaço de um dos projeteis atingiu um Sargento que estava a meu lado e cortou-lhe a cabeça. Podia ter sido eu. Quando escureceu começamos a andar na mata. Encontramos um acampamento do Exército e soube que aquela gente ia para um campo de prisioneiros. Tinha aprendido na ética militar que devemos evitar ser feitos prisioneiros. Foi essa a segunda decisão que tomei. Fiquei sozinho com os meus homens e comuniquei que iria pedir abrigo a um carregueiro estrangeiro. Eles acompanharam-me. Navegamos de noite até ao navio grego “Olga Minakoulis”, que se encontrava mais perto e o seu Comandante deu-nos abrigo. A 25 de dezembro navegamos até Karachi onde me apresentei ao embaixador português. Já lá estava o 2º Tenente Fausto Morais Brito e Abreu, comandante da “Antares”, que tinha ido de Damão e não se tinha deixado fazer prisioneiro.

Em Portugal consideravam-nos mortos e a minha família tinha visto na RTP a minha cara a passar como herói na Índia. Enviei um telegrama ao Chefe do Estado Maior da Armada, outro à minha família. Chegamos de avião a Portugal, começou logo a correr mal. Uma carrinha da PIDE-Polícia Internacional e de Defesa do Estado (polícia política), aguardava-nos no aeroporto para nos levar ao Ministério da Marinha. Nem tive tempo de me fardar. “Então o que é que se passou no passado dia 19, em Goa?” Corrigi: “Dia 18, senhor Almirante!” Ele reafirmou: “A invasão foi a 19, toda a gente sabe…” “Desculpe, mas quem lá estava era eu…” Era péssima maneira de começar um diálogo com o Chefe do Estado Maior da Armada. Passei ao gabinete do Ministro da Marinha que imediatamente viu que eu estava muito cansado. Era 31 de dezembro de 1961. Mandou-me ir ter com a minha família.

Em maio de 1962 fui chamado para fazer declarações no âmbito do processo de averiguações. Fizeram-me três acusações. Qual o critério da minha decisão. Que teria afundado a lancha antes de tempo. Tinha-me recusado a ir para o campo de prisioneiros. Expliquei o que se tinha passado, assumi que tinha sido o único responsável pelas decisões e o processo parecia acabado, até ao dia 23 de março de 1963.

Estava de serviço em Vila Franca de Xira e a minha mulher telefona-me, dizendo que lera num jornal que eu tinha sido demitido. Como militar  fui duramente punido. Obviamente, as penalizações dos militares de Goa eram um aviso para os militares de África (decorria a Guerra Colonial). Depois do 25 de abril de 1974 voltei a ser integrado na Marinha, mas como já tinha a minha vida feita como engenheiro, passei à reserva. Durante todos estes anos a minha mulher viveu sob o signo do drama Goa. Prometi que a levaria lá quando me sentisse emocionalmente preparado. Só passados 50 anos consegui voltar.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

ESTADO DA ÍNDIA – SÉRIE VI – DESEMPENHOS – LANCHA DE FISCALIZAÇÃO “ANTARES” – 56º EPISÓDIO

 

Dada a circunstância da embarcação não poder satisfazer as exigências para a sua defesa, o comandante decidiu rumar a Karachi (Paquistão), o que fez  no dia 17 de dezembro de 1961, pelas 22H10, quando saiu da barra do rio Sandalcalo (Damão), por condicionalismos de marés.

Às 04H00 do dia 18 foi avistada uma luz forte em terra apontada na direção do mar, seguida de lançamentos de very-lights. A Lança aproximou-se de terra e face aos indícios constatou-se o início da invasão. Com o radar avariado  e sem qualquer informação quanto à presença de navios inimigos, a “Antares” afastou-se de terra, tendo a guarnição ocupado os postos de combate às 04H30. Cerca das 07H00 foram avistados os primeiros aviões da União Indiana a atacarem objetivos em terra, com a surpresa de terem aproximado da “Antares” e não a atingirem.

Até perto das 18H00 foram efetuados mais 3 raids aéreos sem que a Lança tivesse sido atacada. Afastou-se para as 20 milhas e mais uma vez não foram detetados navios inimigos. Às 19H20, perdidas as comunicações com terra, o farol de Damão apagado e vários incêndios a lavrarem ao longo da costa, clara indicação de que o território estaria já ocupado ou muito perto disso o Comandante reuniu a guarnição e informou a sua decisão de seguir para Karachi (Paquistão), de modo a evitar que a Lança caísse nas mãos do inimigo, poupando-a, assim, com os seus homens a um inútil sacrifício, já que as informações apontavam para uma total ocupação dos três territórios portugueses no Estado da Índia.

 

Com grandes precauções de modo a evitar a deteção pelo inimigo, e enfrentando condições de mar bastante desfavoráveis, a “Antares” navegou e chegou ao seu destino no dia 20 de dezembro de 1961, às 20H00, tendo percorrido 530 milhas náuticas (981,56 quilómetros), em 47 horas e trinta minutos…

 

No porto de Karachi estava atracado o N/M “Lúrio”, comandado pelo Capitão Andrade Araújo, que apoiou a tripulação da “Antares”, tanto nos banhos reparadores como na alimentação e alojamento.

 

GUARNIÇÃO: 8 ELEMENTOS

 

OFICIAL E COMANDANTE:

Fausto Morais Brito Abreu, 2º Tenente

SARGENTOS:

Vitoriano Augusto Gomes, 1º Sargento 2900

PRAÇAS:

António Alberto Tavares Pinheiro, Marinheiro 9574

António Pinto, Marinheiro 11992


 Aurélio Nunes Mendonça, 1º Grumete 13707

Jeremias José Generoso Rodrigues, Marinheiro 12187

Sérgio Anunciação Lopes Costa, Marinheiro 10662

 

Nota: Júlio Augusto Alves , Marinheiro 10570, não seguiu viagem com os demais, dado que, por indicação médica, baixou ao Hospital de Damão, em 17 de dezembro de 1961.

 O Comandante Fausto Abreu, pela sua corajosa decisão, foi distinguido com Louvor e a Medalha de Serviços Distintos, grau Prata, com Palma.

-FAUSTO ABREU E JORGE OLIVEIRA E CARMO-

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

ESTADO DA ÍNDIA – SÉRIE VI – DESEMPENHOS – LANCHA DE FISCALIZAÇÃO “VEGA” – 55º EPISÓDIO

 

GUARNIÇÃO EFETIVA DA “VEGA”


OFICIAL E COMANDANTE

Jorge Manuel Catalão Oliveira Carmo, 2º Tenente (faleceu em combate)


PRAÇAS

António Fernandes Silva Gonçalves, Cabo 2195

António Ferreira, Marinheiro 10030 (faleceu em combate)

António Silva Nobre, Marinheiro 6788

Armando Cardoso Silva, Marinheiro 5645

Francisco Mendes Freitas, Marinheiro 5353

João Lopes Costa Baguim, Marinheiro 11037

Venâncio Ramos, 1º Grumete 13032


GUARNIÇÃO EFECTIVA DA LANCHA “FOLQUE”

José de Azevedo, Cabo 2590

Aníbal dos Santos Fernandes Jardino, Marinheiro 10519 (faleceu em combate)

António José Botinas, Marinheiro 5646

Este pessoal embarca na Lancha “Vega”.


ÁREA DE ATUAÇÃO EM 18.12.1961

Sob o comando do Agrupamento António da Silveira exerceu, a partir do local Fortim do Mar, a defesa antiaérea de Diu.


CRONOLOGIA DA INTERVENÇÃO

Tendo saído de Diu em 17 de Dezembro, a "Vega" fundeou frente a Nagoá às 22H00 do mesmo dia. Na madrugada do dia 18, por volta das 01H40, foram ouvidos tiros em terra pela praça de serviço. Alertado por esta, mandou o Comandante ocupar postos de combate e dirigiu a lancha para junto de um contato radar não identificado que navegava a cerca de 12 milhas da costa.

-Fausto Brito, da Lancha "Antares" e Jorge Oliveira e Carmo-

Por volta das 04H00, o navio, visualmente identificado como um cruzador, lançou granadas iluminantes e abriu fogo de metralhadora pesada sobre a "Vega", que retirou para Diu e fundeou.


Às 06H15 suspendeu e aproximou-se novamente do cruzador, onde foi vista, içada no mastro, a bandeira da União Indiana. A lancha regressou ao fundeadouro e Oliveira e Carmo fardou-se de branco para, segundo afirmou, morrer com mais honra. Às 07H00 foram avistados aviões a jato efectuando bombardeamento sobre terra. O Comandante reuniu a guarnição e leu-lhes as ordens do Estado-Maior da Armada, segundo as quais a lancha deveria combater até à última bala.

 

-Homenagem à memória de Oliveira e Carmo, em Alenquer-

 

Cerca das 07H30 aproximaram-se dois aviões para bombardear a Fortaleza e Oliveira e Carmo mandou abrir fogo sobre eles com a peça de 20 mm (um dos aparelhos acabaria por ser atingido e obrigado a aterrar). Estes, naturalmente, ripostaram. Agilmente manobrada pelo seu comandante, a "Vega" esquivou-se às primeiras rajadas.

 

-António Ferreira-

 

No entanto, um novo ataque, desta vez em fogo cruzado, matou o marinheiro artilheiro António Ferreira e cortou pelas coxas as pernas de Oliveira e Carmo que, ainda com vida, retirou do bolso e beijou as fotografias da mulher e do filho pequeno. Deflagrara, entretanto, um violento incêndio, que rapidamente se propagou à casa da máquina e à ponte.

 

-Aníbal dos Santos Fernandes Jardino-

 

A lancha foi abandonada, em virtude do seu reduto se ter tornado intransitável devido aos buracos causados pelos projéteis inimigos e pelo incêndio, que atingia, já, o convés.

A guarnição tentou, então, arriar o bote para evacuar o Comandante, mas um novo ataque aéreo feriu mortalmente Oliveira e Carmo, tendo também sido atingidos três marinheiros (um deles, marinheiro artilheiro Fernandes Jardino, com a perna esquerda cortada pela canela, viria a falecer no trânsito para terra).

 

 

Com o bote inutilizado e a lancha completamente tomada pelas chamas, viram-se os sobreviventes obrigados a nadar em direcção a terra, agarrando-se os feridos a uma balsa.

Sacudida pelas explosões das suas próprias munições, a "Vega" acabaria por se afundar, por volta das 09H00, arrastando consigo o corpo do seu heroico Comandante.

 

-Armando Cardoso da Silva (1995)-

 

Oliveira Carmo foi, a título póstumo, condecorado com a Medalha de Valor Militar, grau Ouro, com Palma, e agraciado com a Ordem Militar da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito, grau Comendador e promovido por distinção ao posto de Capitão-Tenente.

 

-Pintura de Raul Sousa Machado-

 

Já os dois marinheiros que morreram devido aos ferimentos sofridos em combate, Aníbal dos Santos Fernandes Jardino e António Ferreira, foram-lhes atribuídas as Medalha de Valor Militar, grau Cobre e promovidos ao posto de Marinheiro.