Vou falar sobre o 25 de Abril. E, no entanto...
Vou falar de uma data que é menos fala, menos escrita e mais coisa vivida.
Aqui, nesta sala, quem sabe do 25 d’Abril?
A larga maioria dos portugueses de meia-idade, a caminho da meia-idade ou até de idade e meia, conhece a data de Abril como quem lida com um familiar querido, de quem gosta porque gosta, sem precisar de explicações: alguém precisa definir, por exemplo, o que sente pela mãe? Por um filho? Enfim, por um ente querido?
E ainda pergunto: é preciso dizer alguma coisa sobre a terra onde se nasceu, a paisagem emblemática que ficou na memória, o livro, o quadro ou o filme que nos ajudam a prosseguir a viagem da vida?
Ora, este nosso 25 – sim! 25 para os íntimos - é tudo isso e o muito mais que não cabe em meia dúzia de palavras. O 25 de Abril é um afecto que se abriu quando a palavra foi para a rua, finalmente sem a presença de um árbitro punitivo, sempre disposto a dar cartão vermelho ao jogo da existência.
O 25 de Abril também é o tal quadro, o tal livro e o tal filme que não se podia apreciar - não senhor! - porque era pecado – e agora nós sabemos que aqueles pecados não existem, o que existe é o pecado cometido por quem o inventou.
O 25 de Abril abriu - (como os cravos vermelhos), no dia de hoje, há 35 anos atrás. E abriu as palavras, mas também, e sobretudo, abriu as emoções, os abraços, os afectos e os costumes.
Nem pensem que vou falar aqui de ideologia, de palavras de ordem, ou de “por aqui é que é o caminho”. Não! Porque o 25 de Abril foi e é outra coisa.
É uma data que abriu as comportas do imaginário para um povo habituado ao “sim, senhor!” e ao “manda quem pode!”. Ou, como disse com muita ironia o poeta Alexandre O’Neill, bem antes do 25 de Abril, “neste país em diminutivo, res-pei-ti-nho é que é preciso”. Ou era preciso.
Com o Abril, tudo isso foi derrubado. A África foi devolvida à África, como já tinha acontecido ao Brasil, e ficamos maiores dentro da nossa própria camisa - e as palavras da ordem, da força e do açoite foram reduzidas a si mesmas, ou seja, finalmente, à sua própria caricatura.
Porque a maior grandeza está no poder dizer sim ou não, gritado, sussurrado, com maior ou menor sonoridade.
É sim ou não – ou talvez! - e foi isso que o 25 de Abril nos deu - ou nos abriu!
Creio que é melhor ficar por aqui, pois como afirmei no começo, o 25 de Abril não é adjectivo e, sim, a representação substantiva da democracia instalada no peito de cada português.
A democracia, mesmo aqueles que não a queriam, ou os poucos que ainda hoje não a querem, passaram a ostentar na voz, na caneta ou no peito a possibilidade de dizer sim ou não. Ou até as duas coisas ao mesmo tempo, tal é a excelência dessa democracia.
Além do mais, enquanto tudo isso era vivido, acontecia-nos Zeca Afonso, sem dúvida e sem favor algum o grande tradutor poético e musical desses inesquecíveis momentos.
Não podia viver muito, o nosso Zeca!!! Corria-lhe nas veias o sangue da revolução e da mudança permanente. Isso, como se sabe, é coisa que nem agrada aos poderosos... nem aos deuses. Mas, para além de uma vida vivida de valer a pena, o Zeca jogou, para o ar e para os nossos ouvidos, o hino do nosso contentamento – Grândola Vila Morena, a música que serviu de senha à revolução. E deu-nos também uma série emblemática de canções que pedem ao respeitável público mais verdade, mais afecto, mais justiça e solidariedade para com o outro. Palavras que cabem por inteiro no Zeca Afonso e, claro, traduzem o nosso hoje - e o nosso sempre - 25 DE ABRIL!*Texto lido pelo meu bom amigo José Alberto Braga, escritor, em Ipanema, no Rio de Janeiro, ontem, dia 25 de Abril de 2009 (na foto).
Nota: A foto da estátua do Capitão de Abril, Salgueiro Maia, foi obtida em Santarém (Portugal), onde decorreram este ano as comemorações do 35º aniversário da Revolução.
Vou falar de uma data que é menos fala, menos escrita e mais coisa vivida.
Aqui, nesta sala, quem sabe do 25 d’Abril?
A larga maioria dos portugueses de meia-idade, a caminho da meia-idade ou até de idade e meia, conhece a data de Abril como quem lida com um familiar querido, de quem gosta porque gosta, sem precisar de explicações: alguém precisa definir, por exemplo, o que sente pela mãe? Por um filho? Enfim, por um ente querido?
E ainda pergunto: é preciso dizer alguma coisa sobre a terra onde se nasceu, a paisagem emblemática que ficou na memória, o livro, o quadro ou o filme que nos ajudam a prosseguir a viagem da vida?
Ora, este nosso 25 – sim! 25 para os íntimos - é tudo isso e o muito mais que não cabe em meia dúzia de palavras. O 25 de Abril é um afecto que se abriu quando a palavra foi para a rua, finalmente sem a presença de um árbitro punitivo, sempre disposto a dar cartão vermelho ao jogo da existência.
O 25 de Abril também é o tal quadro, o tal livro e o tal filme que não se podia apreciar - não senhor! - porque era pecado – e agora nós sabemos que aqueles pecados não existem, o que existe é o pecado cometido por quem o inventou.
O 25 de Abril abriu - (como os cravos vermelhos), no dia de hoje, há 35 anos atrás. E abriu as palavras, mas também, e sobretudo, abriu as emoções, os abraços, os afectos e os costumes.
Nem pensem que vou falar aqui de ideologia, de palavras de ordem, ou de “por aqui é que é o caminho”. Não! Porque o 25 de Abril foi e é outra coisa.
É uma data que abriu as comportas do imaginário para um povo habituado ao “sim, senhor!” e ao “manda quem pode!”. Ou, como disse com muita ironia o poeta Alexandre O’Neill, bem antes do 25 de Abril, “neste país em diminutivo, res-pei-ti-nho é que é preciso”. Ou era preciso.
Com o Abril, tudo isso foi derrubado. A África foi devolvida à África, como já tinha acontecido ao Brasil, e ficamos maiores dentro da nossa própria camisa - e as palavras da ordem, da força e do açoite foram reduzidas a si mesmas, ou seja, finalmente, à sua própria caricatura.
Porque a maior grandeza está no poder dizer sim ou não, gritado, sussurrado, com maior ou menor sonoridade.
É sim ou não – ou talvez! - e foi isso que o 25 de Abril nos deu - ou nos abriu!
Creio que é melhor ficar por aqui, pois como afirmei no começo, o 25 de Abril não é adjectivo e, sim, a representação substantiva da democracia instalada no peito de cada português.
A democracia, mesmo aqueles que não a queriam, ou os poucos que ainda hoje não a querem, passaram a ostentar na voz, na caneta ou no peito a possibilidade de dizer sim ou não. Ou até as duas coisas ao mesmo tempo, tal é a excelência dessa democracia.
Além do mais, enquanto tudo isso era vivido, acontecia-nos Zeca Afonso, sem dúvida e sem favor algum o grande tradutor poético e musical desses inesquecíveis momentos.
Não podia viver muito, o nosso Zeca!!! Corria-lhe nas veias o sangue da revolução e da mudança permanente. Isso, como se sabe, é coisa que nem agrada aos poderosos... nem aos deuses. Mas, para além de uma vida vivida de valer a pena, o Zeca jogou, para o ar e para os nossos ouvidos, o hino do nosso contentamento – Grândola Vila Morena, a música que serviu de senha à revolução. E deu-nos também uma série emblemática de canções que pedem ao respeitável público mais verdade, mais afecto, mais justiça e solidariedade para com o outro. Palavras que cabem por inteiro no Zeca Afonso e, claro, traduzem o nosso hoje - e o nosso sempre - 25 DE ABRIL!*Texto lido pelo meu bom amigo José Alberto Braga, escritor, em Ipanema, no Rio de Janeiro, ontem, dia 25 de Abril de 2009 (na foto).
Nota: A foto da estátua do Capitão de Abril, Salgueiro Maia, foi obtida em Santarém (Portugal), onde decorreram este ano as comemorações do 35º aniversário da Revolução.
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