segunda-feira, 9 de abril de 2012

SUGESTÃO PARA APERFEIÇOAMENTO DAS REGRAS DE FUTEBOL

O excelente trabalho que se segue é da autoria do meu bom amigo brasileiro Manoel Serapião Filho (na foto), o qual demonstra a sua elevada capacidade para aprimorar e agilizar as leis do jogo. Foi respeitada a grafia original.


Sugiro que sejam realizados estudos para aperfeiçoamento das regras de futebol, tanto envolvendo alguns pontos de seu conteúdo, como, em seu todo, a atual forma redacional.

A base dos estudos deve ter por meta harmonizar integralmente as regras do jogo aos princípios fundamentais do futebol, ao sentido comum (razoabilidade) e a alguns princípios gerais de direito (distinção dos atos e fatos acidentais dos intencionais e, neste caso, os de boa dos de má-fé), de modo que o conjunto das regras seja um todo lógico e que ofereça sempre solução harmônica para casos análogos.

Ademais, para que a linguagem das regras seja uniforme, direta e simples, bem assim para que todos os assuntos relativos a uma regra sejam nela esgotados, facilitando a consulta.

Vale registrar que uma sistemática redacional harmonizada com tais princípios facilitará a compreensão das regras e de seu espírito pelo universo de instrutores, árbitros, jogadores, treinadores, dirigentes, integrantes da imprensa e pelo público em geral, evitando os injustificáveis entendimentos divergentes sobre um mesmo ponto, que cria incerteza e prejudica o esporte.

Para demonstrar a necessidade dessa revisão geral, a título de amostragem, aponto alguns pontos que se dissociam do indicado conjunto de princípios e da sugerida técnica redacional.

O caso mais clássico de contradição e injustiça é o da previsão de expulsão de um jogador que impede um gol ou uma óbvia oportunidade de gol por cometer uma falta, ainda que caracterizada como jogo perigoso – TLI -, e previsão apenas de punição com cartão amarelo para um substituto que entra em campo sem autorização do árbitro e que, igualmente, impede um gol ou uma clara oportunidade de gol contra sua equipe, apenas porque não o fez com as mãos.

Ora, sendo indiscutível que a ação do substituto é bem mais grave do que a do jogador, pois a daquele resulta de clara má-fé, enquanto a deste é fruto do puro desejo de jogar, embora com mera desatenção, não há como negar que tal solução é de todo ilógica, que fere o senso comum e que não encontra amparo nos princípios do próprio futebol e, muito menos, da justiça!

Realmente, pois se a solução para tais casos obedecesse aos indicados princípios, as punições para ambos os jogadores seriam idênticas: expulsão, embora seja certo que o substituto, se julgado posteriormente e de acordo com os próprios princípios da FIFA, poderá receber punição adicional.

No aspecto conceitual, há urgente necessidade de revisão do significado de atitude anti-desportiva e das conseqüências disciplinares que pode ocasionar. É que enquanto algumas ações, que são próprias do jogo, são erradamente consideradas como atitudes anti-desportivas (faltas táticas; segurar o adversário; tocar a bola com a mão, ainda que instintivamente etc.), outras, que são verdadeiramente atitudes anti-desportivas (cuspir em alguém, praticar conduta violenta etc.), assim não são consideradas ou classificadas.

Nesse particular, também merece revisão o fato de atualmente as atitudes anti-desportivas só possibilitarem punição com cartão amarelo, como se elas, as atitudes anti-desportivas, só se caracterizassem como ações de natureza mediana, quando podem ter natureza desde leve até gravíssima, a exemplo do caso do substituto que invade o campo e impede um gol ou uma clara oportunidade de gol da equipe adversária, mas que, justamente por estar caracterizada como atitude anti-desportiva, só admite advertência com Cartão Amarelo. Não obstante, quando o fato é praticado com a mão, a pena prevista passe a ser cartão vermelho, como se neste caso a ação tenha deixado de ser atitude anti-desportiva. A contradição é Indiscutível, sobretudo porque a distinção entre tais ações - impedir gol com mão e com o pé – termina por considerar, indiretamente, que o substituto jogaria.

Esse fato – subversão de conceito e imposição de limite que a essência de atitude anti-desportiva não contempla – conduz à certeza de que há dissociação da redação das regras com os mencionados princípios.

Essa injustificável subversão conceitual obriga o interprete a raciocinar com conceitos distintos dos da essência das coisas, prejudicando, sobremodo, a compreensão e o domínio geral das regras do jogo, porquanto é como se o futebol tivesse um dicionário especial e com força para alterar a essência das coisas.

Pontue-se que tal subversão conceitual contraria um dos objetivos da FIFA, no particular, pois a própria entidade e o I. BOARD realizam, vez por outra, alteração nas regras do jogo exatamente para especificar conceitos e valorizar os significados das palavras, a exemplo do que fez recentemente – 2010 – com a regra 01, ao substituir o termo “PODERAO” por “DEVERAO”, para afastar dúvida quanto às formas possíveis dos postes e travessão das metas.

No aspecto do conteúdo das regras, o impedimento por ganhar vantagem necessita de urgente estudo, tanto porque tal forma de impedimento está na contramão de um dos objetivos da FIFA – mais gols –, como porque fere a essência da regra 11 e seu espírito. De fato, pois, quando há rebote (salvo da meta), a bola não chega ao jogador que estava em posição de impedimento por ação de um companheiro. Alem disso, porque, quando a bola lhe chega, já não é mais o mesmo momento do passe.

Todavia, se após os estudos a decisão for por manter tal forma de impedimento, será imperioso que se redefina o conceito de impedimento, para evitar que um parágrafo fira a disposição do artigo a que se vincula, como hoje ocorre, pois o artigo prevê uma coisa e essa forma de impedimento o contraria.

Ademais, será necessário que se redefina com clareza o conceito de rebote, pois o conceito hoje vigente, de acordo com CIRCULAR expedida pela FIFA, além de envolver até a denominada deficiência técnica colide com a essência do futebol, que reside no fato de uma equipe colocar a outra em dificuldade, exatamente para alcançar a vitória, pois se assim não fosse todos os jogos terminariam 0 X 0.

No campo da linguagem, as regras devem ser redigidas de maneira uniforme. Por exemplo, optar por uma das expressões: “a favor dos jogadores adversários” ou “a favor da equipe adversária”, e não uma e outra, quebrando o princípio de linguagem padronizada.

Essa revisão redacional, como dito, precisa ser feita de modo geral, embora mais urgentemente em relação a aspectos de elevada importância, como a vantagem, que, ao contrário do que muitos pensam, não é faculdade, mas um dever do árbitro.

Com efeito, uma coisa é o direito de o árbitro analisar os requisitos para conceder ou não vantagem, de acordo com as circunstâncias da jogada e/ou da partida, outra, bem diferente, é a regra possibilitar a equivocada compreensão de que o árbitro teria liberdade pessoal para aplicar ou não a vantagem, ainda que haja concluído que a marcação da falta beneficiaria a equipe infratora.

O certo, portanto, para evitar essa e outras graves distorções de interpretação, é que as regras sejam redigidas de modo bem direto e claro. Por hipótese: “Conceder vantagem não é faculdade, mas dever do árbitro, que, todavia, tem poder para analisar e decidir se a marcação da falta ou infração beneficiará a equipe infratora, considerando as circunstâncias da jogada e da partida”.

Outro ponto que desconsidera o sistema de redação baseado nos princípios do futebol e que, portanto, merece imediata correção, é a desnecessária separação entre os reinícios de jogo ou cobrança de faltas por jogadores de linha e goleiros, quando ambos voltam a tocar a bola antes que outro jogador o faça.

Ora, se é da essência do futebol que os goleiros, salvo se estiverem em suas respectivas áreas de pênalti, quando podem pegar a bola com as mãos e têm outras vantagens, são jogadores absolutamente iguais aos demais em todas as outras situações do jogo, a indicada separação é de todo desnecessária, repita-se, pois é da essência do jogo que não pode haver marcação de TLD contra o goleiro que pega a bola com as mãos em sua própria área de pênalti, exatamente por ser essa a única razão para tal separação.

Aliás, deve ser registrado que o direito de os goleiros pegarem a bola com as mãos, em suas respectivas áreas de pênalti, é tanto da essência, do princípio do futebol que nem a própria regra três – número de jogadores -, cujo título deveria ser apenas “jogadores”, estabelece de modo direto que os goleiros podem pegar a bola com as mãos em sua própria área de pênalti, embora isso devesse ser consignado, especialmente para definição clara do que é um goleiro.

Outro ponto que, por igual, desconsidera o princípio do futebol está nas várias referências nas regras de que “a bola deve estar em jogo” para haver marcação dessa ou daquela infração, pois isso é da essência do futebol, ou seja, somente com a bola em jogo é possível haver punição técnica. Isso, não obstante, poderia ser consignado em capítulo que estabelecesse os princípios do futebol e de sua arbitragem, acaso se julgasse conveniente.

Não é demasiado observar, relativamente a tais pontos, que nem a preocupação da FIFA com a diversidade de nível cultural dos árbitros justifica essa forma redacional, porquanto em muitos pontos de elevada complexidade as regras submetem as correspondentes decisões à sensibilidade e percepção dos árbitros, de modo que não ressoa razoável destinar-lhes tarefas complexas, muito complexas sobre lances cruciais, e conceber-se que, em relação a situações claras, situações que se relacionam com os princípios do futebol, os árbitros precisam de esclarecimento sobre o que é obvio.

Penso, ademais, que essa forma redacional termina por desestimular o estudo aprofundado dos princípios do futebol, que são a base de tudo e dos quais os árbitros devem ter pleno domínio.

Tudo sem se olvidar que os esclarecimentos para as situações que podem suscitar dúvida devem ser postos na “Interpretação das Regras do Jogo e Diretrizes para Árbitros”, mas com cuidado para evitar contradição entre os textos, a exemplo do que ocorre quanto à obrigatoriedade de apresentação da relação de jogadores antes do início das partidas, prevista nas regras, mas colocadas como faculdade do regulamento das competições na referida “Interpretação das Regras do Jogo e Diretrizes para Árbitros”, como se fosse possível as interpretações ferirem as regras que as origina.

Merece também estudo especial o elemento imprudência presente na regra 12, pois ele mais se ajusta às faltas caracterizadas como TLI, a exemplo do jogo perigoso, que nada mais é do que um ato de imprudência, uma forma de jogar com desatenção, descuido.

Dessa observação resulta que as atuais 10 (embora sejam 12) ações que podem ser faltosas precisam ser reclassificadas adequadamente, pois somente as ações de “fazer carga em um adversário” e de “dar um entrada contra um adversário”, por serem permitidas, podem se caracterizar como imprudentes, uma vez que as demais são ações proibidas e, portanto, faltosas por si sós, ou seja, independentemente de qualquer outro elemento.

Reforçam esse ponto de vista as faltas caracterizadas em razão de tentativa, pois tentativa é a mais absoluta revelação de vontade, de ação deliberada, e que, portanto, não se harmoniza com o elemento imprudência, pois ninguém pode tentar ser imprudente!

Todavia, ainda que se mantenha o atual principio redacional para tais ações, não há necessidade de se exigir a presença dos elementos “temeridade” e “força excessiva” para que as 10 ações possam se caracterizar como faltosas, porquanto tais elementos são, apenas, meio de analisar a falta para fins disciplinares, por ser impossível praticar uma ação de tais naturezas sem que o elemento imprudência já não esteja nelas embutido, de modo que a falta já terá se caracterizado, ou seja, com ou sem tais elementos – temeridade e/ou força excessiva –, que, repita-se, servem apenas para efeitos disciplinares.

Outro ponto que merece profunda análise relaciona-se com os procedimentos, que não são prerrogativas, mais deveres. Logo, quem não os cumpre não pode se beneficiar da própria transgressão.

Tem inteira relação com tal aspecto a situação do substituto, cujo substituído já deixou o campo, e que, por isso, apenas esteja aguardando a bola sair de jogo e receber autorização do árbitro para se converter em jogador, mas que, antes de ser autorizado, entra em campo e pratica uma ação típica de TLD, e que só pode ser punido com TLI, se beneficiando, assim, de seu próprio desregramento, de sua má-fé, somente porque o procedimento de substituição não se teria completado, embora, reitere-se, exclusivamente por sua iniciativa, por sua transgressão. Isso, com todo respeito, revela-se absurdo. O procedimento, assim, somente deve ser exigido para impedir que o jogador se beneficie, ou seja, se ele nessa situação fizer um gol para sua equipe, esse gol não deveria ser validado.

Note-se que a situação acima é completamente diferente daquela em que um substituto, que está na área técnica e cuja equipe se encontra completa, entra em campo e comete uma infração que seria punível com TLD.

No primeiro caso, o substituto já integrava idealmente sua equipe. Logo, se age de má-fé, ferindo deliberadamente o procedimento, que é uma condição, uma restrição e não um privilégio, não pode ser beneficiado. A marcação do TLD, neste caso, portanto, seria o correto. Na outra situação, o substituto não poderia ser considerado como jogador, pois sua equipe estaria completa e, assim, não haveria possibilidade de punição com TLD contra uma equipe cujo substituto infrator seria um décimo segundo (12º.) jogador de sua equipe, ou mesmo o 11º., 10º, acaso sua equipe estivesse com menos jogadores em razão de expulsões.

Apesar de essas situações serem completamente distintas, hoje elas recebem tratamentos idênticos, quando o correto seria diferenciá-las para desestimular prática de atos dessa natureza e fazer justiça, punindo a má-fé.

A atual posição da FIFA para essas situações pode revelar-se ainda mais incorreta e insustentável na hipótese de uma substituição ser feita no intervalo da partida sem observância do devido procedimento.

Assim, imagine-se que, após jogar 15 ou 20 minutos, o substituto que não cumpriu o procedimento cometa um pênalti e somente nessa hora a arbitragem se dê conta de que o procedimento de substituição não foi cumprido. Em tal hipótese, e hipótese possível, pois o futebol também é jogado em lugares com pouca organização e sem profundos conhecimentos das regras, é de se perguntar: haveria lógica ou justiça em se marcar TLI? Se assim fosse, é de se perguntar: o procedimento é uma vantagem ou uma restrição? Quem age de má-fé, ou mesmo sem ela, mas que não cumpre o procedimento pode ser beneficiado?

Essas hipóteses são o bastante para revelar a urgente necessidade de se atribuir aos procedimentos o devido valor, ou seja, considerá-lo como um dever, uma restrição, jamais, portanto, um benefício para quem não cumpre as regras.

A situação se torna mais sem sentido, segundo o atual entendimento da FIFA, porque o reinício do jogo, em ambos os casos, deve dar-se com TLI. Ora, se não se pode punir tecnicamente o substituto, mesmo o que age de má-fé e fere o procedimento, porque não se teria convertido em jogador, não há justificativa para que o jogo seja reiniciado com TLI, que só se aplica em razão de ações praticadas por jogadores, uma vez que todas as disposições da regra 12, neste particular, se destinam apenas para eles e não para os substitutos ou substituídos, muito menos para os oficiais das equipes.

Nem se alegue que o TLI seria mera forma de reiniciar o jogo como alguns sustentam. É que, segundo as regras, a marcação de TLI decorre sempre de punição técnica, o que é da essência do futebol. A regra não pode, ferindo seus próprios princípios, dizer que o que era passou a não ser e o que não era passou a ser.

As ponderações acima, apesar de feitas por amostragem, revelam o quanto necessita ser feito.

Desse modo, nada mais precisaria ser dito. Não obstante, cumpre registrar mais três falhas na atual sistemática redacional das regras.

A primeira consiste na colocação de matéria própria de uma regra em outra. Exemplo disso é a previsão do início e do fim da autoridade do árbitro, que deveria estar na regra 5, mas que consta da 12.

A segunda e talvez a mais grave das falhas consiste na previsão pormenorizada de todos os lances que ensejam cartão amarelo e vermelho, de modo muito rígido, dando a idéia de que o árbitro estaria vinculado a todas elas, sem, portanto, lhe assegurar o direito de analisar as circunstâncias da jogada, da partida, sua temperatura etc.

O exemplo mais clássico dessa situação é o que prevê cartão amarelo para o jogador que segura o adversário para impedir seu deslocamento para uma posição mais vantajosa, como se fosse possível um jogador deslocar-se para posição de desvantagem! Disso resulta que, de acordo com tal disposição, todo ato de segurar o adversário implicaria cartão amarelo. Assim, todavia, não é, pois a tradição da arbitragem, felizmente, tem superado alguns equívocos das regras, para o bem do futebol.

A terceira falha consiste nas divergências de redação das regras entre as línguas oficiais, particularmente entre o espanhol e o inglês.

Vale registrar que nem a observação de que o inglês é a língua prevalecente, para casos de dúvida, justifica tais divergências.

Deveras, pois se a FIFA adotou quatro línguas como oficiais, as pessoas encarregadas das respectivas redações, ao lado de deverem realizar os trabalhos coordenadamente e de ter pleno domínio das correspondentes línguas, também devem conhecer os respectivos jargões do futebol, a fim de que cada regra, independentemente da língua de edição, expresse tudo com absoluta precisão e igualdade, tanto para evitar que o que é oficial possa deixar de ser, bem assim porque as divergências ocorridas no campo de jogo não podem se solucionadas posteriormente. A conseqüência disso é que o aspecto da prevalência da língua inglesa sobre as demais só serve para o campo meramente doutrinário, embora possa influenciar situações futuras. Tudo, não obstante, sem se desconsiderar a possibilidade de o erro estar na edição inglesa.

A tarefa é longa e exige muito cuidado, pois cada item deve ser tratado como uma parte inseparável da engrenagem geral, de modo a evitar as contradições que hoje ocorrem.

Assim, o trabalho deve ser feito gradativamente, regra por regra, com as respectivas “interpretações e diretrizes para árbitros” ao lado de cada uma delas, como fizemos no Brasil – 2011/2012 -, devendo, por isso, ser iniciado pelos pontos mais importantes, se é possível elegê-los.

Por fim, vale dizer que tudo, tudo mesmo deve ser redigido em linguagem direta e simples, de modo que as regras não necessitem de esforço intelectual elevado para entendê-las e para alcançar seu espírito e seus princípios.

Manoel Serapião Filho
Membro da Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol.

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