sábado, 26 de outubro de 2013

VIDA LONGA AO FUTEBOL, QUE COMPLETA HOJE 150 ANOS!

(Nota: Este texto, propriedade de O Globo-Esportes (Brasil), é transcrito integralmente e ilustrado com a devida vénia, tendo sido solicitada a correspondente autorização em 20.10.2013).

RIO DE JANEIRO - Se os historiadores costumam situar em épocas e lugares os mais distantes as origens do futebol, uma coisa é certa: o esporte, tal qual o entendemos hoje — popular, apaixonante, universal — nasceu mesmo na noite da segunda-feira 26 de outubro de 1863, na Freemason’s Tavern, em Great Queen Street, estabelecimento londrino que seria demolido em 1909 para dar lugar aos atuais Grand Cannaught Rooms.

Naquela taberna, foi assinada a que pode ser considerada certidão de nascimento do futebol: a criação de The Football Association e a consequente aprovação do conjunto de 13 regras (mais tarde, passariam a 17) que codificavam um esporte até então praticado, de diferentes maneiras, por clubes e universidades inglesas.

As comemorações desses 150 anos começaram em outubro de 2012, incluindo vários amistosos, entre eles os que as seleções de Inglaterra e Brasil fizeram em Wembley e no Maracanã. Mas, por seu caráter simbólico, o ponto alto será o banquete de gala que se realizará no próximo sábado, dia 26, justamente nos Grand Cannaught Rooms, com convidados ilustres representando o futebol de vários países.

Os historiadores realmente acreditam que as raízes do futebol datam de mais de 3 mil anos. Consideram precursores tanto o tsu-chu dos chineses como o kemari dos japoneses, tanto o epyskiros dos gregos como o harpastum dos romanos, com lugar para um indefinido jogo de bola encontrado em gravuras rupestres do antigo Egito e até o tlatchtli dos astecas. Poucos, porém, são os que têm semelhança com o jogo moderno. Mesmo o calcio dos italianos, criado em 1529 e até hoje revivido nos festejos de São João, em Florença, deve ser visto com reservas. Não é fato que a adoção de suas regras tenha transformado o anárquico jogo de Harlow e outras escolas inglesas em algo mais parecido com o futebol.

Na verdade, já não é possível precisar quando o verdadeiro precursor se instalou em solo britânico. Sabe-se que certa disputa — a qual, segundo a lenda, teria surgido como ato cívico para celebrar a expulsão dos dinamarqueses em 1070 — passou a ser praticada em Chester na Shroventide Tuesday, a Terça-feira Gorda local. Conhecido como mass football ou mob football, punha em confronto as duas metades da cidade, centenas de jogadores de cada lado, um querendo levar a bola, aos socos e pontapés, até a porta do outro. A bola, no caso, representaria a cabeça do oficial dinamarquês invasor. Violento, esse futebol meio bárbaro sofreu proibições reais desde Ricardo II no século XV. É ao primitivo praticante desse jogo que William Shakespeare se refere como “vil jogador de futebol” no primeiro ato de “Rei Lear”, de1608.

Proibido ao longo dos séculos, com menos ou mais rigor, o futebol começou a se transformar no que é hoje graças a um momento importante da História: a Revolução Industrial e a subsequente modernização do ensino nas escolas públicas inglesas, frequentadas pela nobreza e por jovens de uma emergente classe alta. É do historiador Percy M. Young a observação de que “a história do futebol é uma constante adaptação ao terreno e às circunstâncias”. Ao terreno seria a passagem do futebol de rua para os limites dos recreios das escolas. As circunstâncias, aquelas que levaram pedagogos vitorianos a introduzir os exercícios físicos, entre os quais o futebol, na formação do jovem do século XIX.

Um desses pedagogos, Thomas Arnold, seria muito atuante na Universidade de Rugby. Acreditando que a atividade física poderia ajudar na formação moral dos alunos — e ao mesmo tempo fazer com que eles empregassem suas energias em ações ou ideias que não contrariassem o conservadorismo dos tempos da rainha Vitória —, Arnold e seus colaboradores contribuíam, sem se dar conta, para o surgimento dos esportes modernos. Em pouco tempo, o futebol foi sendo praticado em Cambridge, Oxford, Sheffield, colégios e universidades, clubes e agremiações, em cada lugar com um regulamento. Em Rugby, por exemplo, desde que, em 1823, o professor William Webb Ellis convenceu seus alunos de que o jogo ficava “mais interessante” se eles pudessem carregar a bola nas mãos ou nos braços até a meta adversária, o futebol ganhou outra cara. Até então, e por algum tempo, todos aceitavam que se pudesse interceptar a bola com as mãos, mas só para pô-la no chão e seguir em frente, usando apenas os pés.

Jogo chega ao Brasil em 1894

A medida que cada um ia criando ou adaptando regras (as primeiras, editadas em 1848, sendo as de Cambridge), o futebol chegou à segunda metade do século necessitando de uniformização. Como organizar jogos ou campeonatos com regras tão diversas? Foi o que levou Ebenezer Morley, presidente de um clube de Barnes, Londres, a convocar 13 representantes de outros grupos para fundarem, na Freemason’s, The Football Association (FA). Naturalmente, com as regras devidamente definidas, as mesmas com as quais o clube de Morley e o de Richmond fizeram a primeira partida, em 15 de dezembro do mesmo ano. Resultado: zero a zero.

Com a F.A. o futebol realmente nasce. É a partir dela que tudo acontece nas quatro partes do Império Britânico e, logo em seguida, nos países para os quais os ingleses levam sua invenção. No Brasil, as primeiras bolas chegaram, oficialmente, em 1894, trazidas pelo paulistano Charles Miller, após estudos na Inglaterra. E já então com as regras tendo sofrido a mudança que as separaria definitivamente do futebol de Rugby: mão na bola, agora, só o goleiro.

Detalhe pouco lembrado: Football Association passou a ser, além da primeira entidade organizada do futebol, o nome do próprio jogo, para diferenciar do outro, o Rugby Football. Não é certo traduzir aquele como “futebol associação” ou “futebol associado”, para dizer que é um esporte coletivo, de conjunto. “Futebol da associação” seria mais correto, embora também impróprio. Pois foi justamente por ser ele o nome do jogo que a Fifa foi batizada, na Paris de 1905, com uma insólita denominação bilíngue: Fédération Internationale de Football Association. Numa palavra: futebol.

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