sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

ESTADO DA ÍNDIA – V SÉRIE – PERSONALIDADES – SOLDADO FERNANDO PLÁCIDO – 53º EPISÓDIO

Este trabalho (Estado da Índia-466 Anos de História) é dedicado na sua totalidade a Fernando Plácido Henrique dos Santos, meu irmão, o qual, como muitos, cumpriu a sua honrosa e digna missão militar no Estado da Índia, onde foi feito prisioneiro de guerra.


Nasceu em Lisboa a 28 de Setembro de 1939, e faleceu em 4 de Novembro de 2002, sempre foi um militante de causas humanas e solidárias, especialmente perante a vizinhança a qual se dedicou de alma e coração.


 Consegui aceder a dados que nos dão conta da sua passagem pela vida militar, que vale a pena ler, pois foi um daqueles que Salazar queria que os mais de 3.000 militares dessem a sua vida pela Pátria, defendendo Goa, Damão e Diu até ao último homem! O ditador queria o sacrifício total!


Assim não entendeu, e bem, o seu último Governador, o General Manuel António Vassalo e Silva (nasceu a 08.11.1899 e faleceu a 11.08.1985) que se rendeu, com o mínimo de consequências para os seus homens, a um exército de 35.000 homens, apoiados fortemente pela força aérea e marinha de guerra, muito bem equipadas. No cômputo geral as baixas registadas nas tropas portuguesas foram cerca de 30 e do lado indiano 22. Os feridos atingiram os 57 e 51, respetivamente. Por tal acto – o ter salvo milhares de vidas humanas, não só militares, como familiares e naturais que respeitavam as nossas raízes – foi expulso do Exército em 1963 por ter desrespeitado as ordens do tirano, mas a sua reintegração foi um facto logo após a revolução dos cravos.


Quanto ao meu irmão direi que foi inspecionado e apurado para todo o serviço militar em 26 de Junho de 1959, com o registo 1960/K/901, vindo a ser incorporado, como recrutado, em 4 de Outubro de 1960, no Regimento de Infantaria 1 (Amadora-Sintra), sendo-lhe atribuído o 846/60, o primeiro daquele turno de incorporação. No mesmo dia foi-lhe comunicado que o seu destino, depois de passar a “Pronto”, seria o Estado da Índia! Na nossa casa, quando se soube de tal notícia, os seus mais próximos (Pais e Irmãos) muito lamentaram tal sorte e o choro marcou presença. Fez a instrução e tirou a especialidade de atirador de Infantaria em 29 de Janeiro de 1961. Seguiu para Mormugão, integrado na Companhia de Caçadores 10, no navio Niassa, que partiu de Lisboa no dia 8 de Março de 1961, pelas 10H00, tendo chegado a 27 do mesmo mês e ficado adido ao Agrupamento Afonso Albuquerque.

A rota seguida foi a do Canal Suez, mas, já depois de o terem passado e ter-se iniciado o conflito em Angola receberam ordem para avançar para África. Os egípcios nessa altura proibiram a passagem de qualquer navio português e, então, lá rumaram para a costa indiana. Verificou-se a invasão em 18 de Dezembro de 1961 e, após a rendição, esteve preso até 8 de Maio de 1962, em Mormugão, conjuntamente com 1.750 companheiros de cativeiro. Neste espaço de tempo nunca se soube se estava vivo ou morto, pois as informações eram exageradamente escassas e o próprio Governo e as suas instituições – incluindo a Cruz Vermelha Portuguesa – pouco ou nada ligaram àqueles que, na sua opinião, eram considerados traidores.

O regresso a Portugal verificou-se em 9 de Maio de 1962, através de Carachi (Paquistão), no navio “Vera Cruz”. Desembarcou em Lisboa no dia 22 de Maio de 1962. Foram 3.306 os militares repatriados por via marítima, sendo utilizados mais dois navios, o “Pátria” e o “Moçambique”.

Já agora registe-se um episódio algo curioso: dado que a União Indiana não permitiu que aviões portugueses transportassem os prisioneiros do seu território para o país vizinho, aceitaram que esse trabalho fosse feito por aeronaves de outro país, neste caso duma empresa francesa. Só que as hospedeiras de bordo eram para-quedistas portuguesas legítimas, mas com o uniforme francês. Foi uma delas que me contou esta história, a minha boa amiga Maria Ivone Reis.

Bem, no dia em que o Fernando chega a casa, na rua Cecílio de Sousa, ao Bairro Alto, em Lisboa, por volta das 13H30, eu, que vinha do emprego para almoçar, quando sai do carro elétrico, na Praça do Príncipe Real, senti algo que me empurrava, que me obrigou a correr na sua direcção, pese embora houvesse entre nós mais de duzentos metros de distância e não em linha recta… Um mistério que ainda hoje não sei decifrar!

Contudo, naquele dia 22 de maio, como chegou a casa, vindo do quartel de Infantaria 1, da Amadora, sua unidade mobilizadora, o seu vestuário (?!) era mais condizente com a condição de um desgraçado, um dos piores sem-abrigo do que um soldado que defendeu a Pátria, lá bem longe… Trazia um fato-macaco velho, rasgado, sujo e sem botões (foram substituídos por clips), calçava um velho par de botas com as biqueiras rotas, pois viam-se os dedos dos pés, já que meias eram inexistentes; e sem qualquer peça de roupa interior… E, assim, veio desde a Amadora até à Estação do Rossio, com bilhete pago pelo Estado, e até à rua Cecílio de Sousa (cerca de 4 quilómetros) foi a pé, pelas ruas num triste e lamentável espetáculo para o qual nada contribuiu! Teve um tratamento desumano, repelente e indecoroso… Penoso e triste…

Passou à disponibilidade em 27 de Março de 1963 e a baixa de serviço ocorreu em 31 de Dezembro de 1984.

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