Carta aberta a sua Excelência, o Presidente da República
sobre a final do Jamor:
Sr. Professor,
Atrevo-me a escrever-lhe
e a fazer pública esta missiva, via facebook, crente de que, familiarizado que
está com os novos canais de comunicação, não deixará de me ler com a atenção
com que, eu próprio, já li algumas comunicações suas, divulgadas na Rede.
Nem sei bem por onde
começar, mas talvez o mais certo seja ir directo ao assunto e dar-lhe conta da
minha estupefacção, perante a notícia de que não será V. Exa., a proceder à
entrega da Taça de Portugal, ao vencedor do jogo do próximo domingo, o qual
espero eu - e cá vai a minha declaração de interesses - seja a Briosa,
Associação Académica de Coimbra.
É que se havia jogo a
que eu julgava que V. Exª não iria faltar era justamente este, mais que não
fosse para se demarcar, com clareza, de um antecessor seu, cuja falta de
comparência teve vincado significado político, significado esse, que esteve bem
longe de beneficiar o ausente.
Recordar-se-á V. Exª, ao
contrário de mim próprio, que apenas tinha, à data, cerca de sete escassos
meses de idade, daquela tarde mágica de 22 de Junho de 1969, quando um simples
jogo de futebol empolgou um país com sonhos de futuro.
Lembrar-se-á da
braçadeira branca sobre a manga das camisolas negras, símbolo de tenacidade e
de coragem, tributo à liberdade, emblema da resistência pacífica, mas convicta
dos estudantes de Coimbra, que assim plantavam, ali mesmo no Jamor, uma pequena
semente democrática, que viria a frutificar poucos anos mais tarde.
Lembrar-se-á até do
resultado, injustamente construído numa infelicidade do Viegas e num imerecido
golo de Eusébio.
Ou talvez não, atendendo
a que, nessa mesma tarde, o futebol e sobretudo o resultado, não foram, nem por
sombras o mais importante, até porque os lances mais significativos do jogo se
passaram, alternadamente, dentro das quatro linhas, onde o perfume do estilo
“passe e desmarcação” dos de Coimbra ia empolgando, mas também - e sobretudo -
fora delas, onde os comunicados contra a ditadura escapavam invariavelmente aos
olhos perscrutadores dos «bufos» e as tarjas pela liberdade, se desfraldavam
numa das bancadas, para logo desaparecerem e voltarem a soltar-se, poucos
minutos depois, como que por artes mágicas, no extremo exactamente oposto do
recinto… Lembrar-se-á até que os partidários do regime torciam, nessa tarde,
pelo Benfica, não forçosamente por serem adeptos do emblema da águia, mas
porque uma vitória da Académica era considerada demasiado problemática,
demasiado subversiva, demasiado agitadora dos costumes que se queriam brandos e
das consciências que, a bem da nação, se preferiam adormecidas.
Por tudo isso, Américo
Tomás, optou então por não estar presente, dando a devida nota da fragilidade
do poder que simbolizava e da decrepitude do «velho» Estado Novo.
Mas hoje não é assim…
Hoje o titular do cargo
que V. Exª representa é escolhido pelo povo e por mais profunda que seja a
crise e mais incómodas que pareçam as multidões, é ele quem deve dar a cara,
para festejar o que de mais precioso ainda temos: a liberdade e a democracia
que conquistámos.
Se o Presidente da
República não estivesse no Jamor, o que não creio, pois julgo que V. Exª ainda
reconsiderará até domingo, a sua ausência seria vista como um triste regresso à
postura de antanho e mais do que isso, poderia traduzir a ideia de que, cada
vez que os estudantes de Coimbra se deslocam à capital, o mais alto magistrado
da nação foge, a sete pés, para a sua zona de conforto (como agora se diz) no
Palácio de Belém.
Ora a história não deve
repetir os maus exemplos, pelo que o mais avisado será V. Exª ter a maçada de
ir à bola, no próximo domingo.
É que por mais
representativa que seja a nossa simpática Presidente da Assembleia, PR é PR e
não há quem possa substitui-lo na sua missão de encarnar Portugal e os
Portugueses.
E eu quero ver o
Presidente da República a entregar a Taça, para ter a certeza de que não recuei
no tempo e que, desta feita, a Briosa estará no Jamor, não para lutar pela (re)
implantação da democracia, mas para festejar a solidez dos seus alicerces.
Até domingo, Sr.
Professor.
E quando entregar a Taça
ao “capitão” Orlando, diga-lhe ao ouvido, que a presidência o faz com 43 anos
de atraso, mas que, pelo menos, desta feita, se encarrega disso pessoalmente…
Os melhores
cumprimentos.
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