domingo, 26 de abril de 2009

25 DE ABRIL – COMEMORADO NO RIO DE JANEIRO*

Vou falar sobre o 25 de Abril. E, no entanto...
Vou falar de uma data que é menos fala, menos escrita e mais coisa vivida.
Aqui, nesta sala, quem sabe do 25 d’Abril?
A larga maioria dos portugueses de meia-idade, a caminho da meia-idade ou até de idade e meia, conhece a data de Abril como quem lida com um familiar querido, de quem gosta porque gosta, sem precisar de explicações: alguém precisa definir, por exemplo, o que sente pela mãe? Por um filho? Enfim, por um ente querido?
E ainda pergunto: é preciso dizer alguma coisa sobre a terra onde se nasceu, a paisagem emblemática que ficou na memória, o livro, o quadro ou o filme que nos ajudam a prosseguir a viagem da vida?
Ora, este nosso 25 – sim! 25 para os íntimos - é tudo isso e o muito mais que não cabe em meia dúzia de palavras. O 25 de Abril é um afecto que se abriu quando a palavra foi para a rua, finalmente sem a presença de um árbitro punitivo, sempre disposto a dar cartão vermelho ao jogo da existência.
O 25 de Abril também é o tal quadro, o tal livro e o tal filme que não se podia apreciar - não senhor! - porque era pecado – e agora nós sabemos que aqueles pecados não existem, o que existe é o pecado cometido por quem o inventou.
O 25 de Abril abriu - (como os cravos vermelhos), no dia de hoje, há 35 anos atrás. E abriu as palavras, mas também, e sobretudo, abriu as emoções, os abraços, os afectos e os costumes.
Nem pensem que vou falar aqui de ideologia, de palavras de ordem, ou de “por aqui é que é o caminho”. Não! Porque o 25 de Abril foi e é outra coisa.
É uma data que abriu as comportas do imaginário para um povo habituado ao “sim, senhor!” e ao “manda quem pode!”. Ou, como disse com muita ironia o poeta Alexandre O’Neill, bem antes do 25 de Abril, “neste país em diminutivo, res-pei-ti-nho é que é preciso”. Ou era preciso.
Com o Abril, tudo isso foi derrubado. A África foi devolvida à África, como já tinha acontecido ao Brasil, e ficamos maiores dentro da nossa própria camisa - e as palavras da ordem, da força e do açoite foram reduzidas a si mesmas, ou seja, finalmente, à sua própria caricatura.
Porque a maior grandeza está no poder dizer sim ou não, gritado, sussurrado, com maior ou menor sonoridade.
É sim ou não – ou talvez! - e foi isso que o 25 de Abril nos deu - ou nos abriu!
Creio que é melhor ficar por aqui, pois como afirmei no começo, o 25 de Abril não é adjectivo e, sim, a representação substantiva da democracia instalada no peito de cada português.
A democracia, mesmo aqueles que não a queriam, ou os poucos que ainda hoje não a querem, passaram a ostentar na voz, na caneta ou no peito a possibilidade de dizer sim ou não. Ou até as duas coisas ao mesmo tempo, tal é a excelência dessa democracia.
Além do mais, enquanto tudo isso era vivido, acontecia-nos Zeca Afonso, sem dúvida e sem favor algum o grande tradutor poético e musical desses inesquecíveis momentos.
Não podia viver muito, o nosso Zeca!!! Corria-lhe nas veias o sangue da revolução e da mudança permanente. Isso, como se sabe, é coisa que nem agrada aos poderosos... nem aos deuses. Mas, para além de uma vida vivida de valer a pena, o Zeca jogou, para o ar e para os nossos ouvidos, o hino do nosso contentamento – Grândola Vila Morena, a música que serviu de senha à revolução. E deu-nos também uma série emblemática de canções que pedem ao respeitável público mais verdade, mais afecto, mais justiça e solidariedade para com o outro. Palavras que cabem por inteiro no Zeca Afonso e, claro, traduzem o nosso hoje - e o nosso sempre - 25 DE ABRIL!*Texto lido pelo meu bom amigo José Alberto Braga, escritor, em Ipanema, no Rio de Janeiro, ontem, dia 25 de Abril de 2009 (na foto).

Nota: A foto da estátua do Capitão de Abril, Salgueiro Maia, foi obtida em Santarém (Portugal), onde decorreram este ano as comemorações do 35º aniversário da Revolução.

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